segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Memórias (e lições) de um passado recente…


A propósito da minha recorrente insistência sobre o facto de não haver quaisquer exemplos de sucesso destas medidas de austeridade com que nos estão a fustigar (para resolver o «gravíssimo» problema da dívida pública…) trago aqui à colação um breve trecho de um livro de R.T. Naylor: «Dinheiro Quente e a Política da Dívida», publicado em 1987 (e traduzido para Português em 1989):
«Quando o presidente De la Madrid desacreditou o «populismo financeiro» do seu antecessor, repudiou igualmente os esforços de Lopez Portillo para atirar as culpas da crise para cima do sistema financeiro internacional. De la Madrid insistiu – numa linguagem que poderia ter vindo directamente de qualquer relatório do FMI sobre o pais – que as causas do problema eram um governo dissoluto e um comportamento consumista, contra os quais o óbvio remédio era uma severa austeridade. À superfície esse remédio pareceu dar resultados. Em 1981 tinha havido um défice de 3.500 milhões de dólares na balança comercial; nos finais de 1982, as importações tinham sido tão reduzidas que havia um superavit de 5.000 milhões nas trocas comerciais. Durante 1983, o superavit ultrapassou mesmo o objectivo estipulado pelo FMI e, em 1954, o México foi apontado como um modelo de respeitabilidade fiscal e financeira.
Os oráculos do «dinheiro bom» exultaram, cheios de entusiasmo. «O remédio prescrito foi tão forte como eficaz» proclamou The Economist. Foi dado grande relevo na imprensa ao reembolso por parte do México, no Verão de 1983, das suas dívidas ao Banco Internacional de Compensações e ao sistema norte-americano de Reserva Federal (dos rendimentos de novos empréstimos de bancos comerciais!). Um vice-presidente do Banco Mundial, Ernest Stern, contribuiu para a escalada de disparates ao declarar que «a forma como o povo e o governo do México tinham conseguido gerir a crise havia enchido o mundo de admiração». No entanto o prémio vai para o economista mexicano que se atreveu a dizer: «Financeiramente as coisas vão muito bem, mas economicamente as coisas vão muito mal!». Isso deve ter servido de consolo a população mexicana: desde 1982 tinha sofrido uma descida nos salários reais de 25% (em fins de 1984, 49%) e uma taxa de desemprego e subemprego na ordem dos 50%»
É por estas e por outras (situações exemplares e até mais antigas) que a mim me dá para dizer que «já vivii este filme»… E o final não tem sido nada feliz.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Para uma Tertúlia nos 40 anos do ISCTE


Texto de «pontapé de saída» para uma Tertúlia realizada em 20 de Setembro no Clube ISCTE
(a propósito dos 40 anos de existência do ISCTE, agora Instituto Universitário de Lisboa)

Cada um de nós, cada um na sua especialidade, está provavelmente certo nas suas asserções sobre o grau de veracidade daquilo que afirma sobre o segmento ou perspectiva da realidade a cujo estudo se dedica.  O problema é que, enquanto cada um estuda o seu ramo de conhecimento, muito poucos se dedicam ao estudo do sistema global, planetário, como um todo.  Por exemplo, embora hoje não haja mais quaisquer dúvidas sobre o carácter global, de âmbito planetário, do sistema capitalista, os economistas convencionais continuam a pensar em termos de economias nacionais. Estão, permanentemente, na chamada «falácia da composição».
Por outro lado, o factor determinante da actividade (da dinâmica…) do sistema capitalista é a taxa de lucro. Seria importante que todos e cada um dos economistas convencionais estudasse o comportamento evolutivo dessa taxa de lucro à escala agregada, do sistema global como um todo. Se estavam à espera disso, bem podem esperar sentados… Já Adam Smith e mais recentemente John Maynard Keynes constataram o fenómeno recorrente da queda tendencial da taxa de lucro. Associando essa queda tendencial à emergência de crises sistémicas. Isto digo eu agora. Karl Marx explicou, ainda que de forma (parece que) insatisfatória (dizem alguns…), o porquê dessa queda tendencial da taxa de lucro. A esse respeito, a polémica tem sido mais do que muita. Até que um economista matemático japonês, de seu nome Nobuo Okishio terá encerrado definitivamente a questão em 1961 provando que seria exactamente ao contrário. É o que dizem…
E vem agora um ilustre e desconhecido sociólogo, neste jardim da Europa à beira mar plantado, explicar e provar (pode ser que sim…) que tanto Karl Marx como Nobuo Okishio, tinham ambos razão, embora dizendo, um e outro, exactamente o contrário…
E digo mais: essa oscilação recorrente da taxa de lucro é o que vai explicando a emergência recorrente de crises sistémicas – quando a taxa de lucro se aproxima do zero (ou melhor, começa perigosamente a descer) - e em que o sistema tem como que a necessidade de fazer uma espécie de purga periódica da capacidade produtiva existente, desvalorizando (ou literalmente destruindo) parcelas significativas do capital constante e em particular do capital fixo já existente. Entretanto, historicamente, quando a taxa de lucro se aproxima do zero (repetindo: «ou melhor começa perigosamente a descer»), o sistema tem-se socorrido de cosméticas financeiras, em particular o crédito ao consumo, para adiar a inevitável necessidade sistémica de recurso à desvalorização ou mesmo destruição… 
A onda da crise da dívida que agora chegou ao Sul da Europa teve as suas raízes há uns 40 anos atrás, quando, a nível global, começou a descer a taxa de lucro sistémico. Até aqui pensávamos que era só com eles, com os países do Sul, dentro de mais algum tempo será também com a França e com a Alemanha.
Entretanto, a pergunta que, pelos vistos, ninguém faz, é: de onde vem todo aquele dinheiro que os chamados «mercados» têm para nos emprestar?...
São milhões de milhões de dólares, euros e eurodólares…
Como se espera(va) explicar nesta tertúlia esses milhões de milhões de dólares, euros e eurodólares vêm de duas fontes principais: 
(a) o poder de compra acumulado (e não utilizado) pelas empresas de dimensão gigantesca que deixaram de pagar os impostos que antes pagavam (incluo aí os executivos e outros «artistas» milionariamente pagos) e 
(b) o capital fictício criado pela banca paralela (ou sombra) pouco ou nada regulada e que se tem permitido toda a espécie de alavancagens para o pingue pongue das trocas e baldrocas de activos financeiros… 

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

ESTÁ TUDO DOIDO OU SOU EU QUE ESTOU ZAROLHO?...

Diz a sabedoria popular que em terra e cegos quem tem um olho é rei. Acrescentarei eu agora que «em terra de zarolhos quem tem os olhos sãos ‘está feito ao bife’» (como diriam os meus netos…). Vou ouvindo dia após dia a crónica e os comentários relativos ao assalto à bolsa dos cidadãos  contribuintes e não deixo de me espantar (eu pecador me confesso) com as banalidades e platitudes da quase totalidade dos nossos comentadores… Portugal tinha e tem (desde há muitas décadas) um probema grave de «divida privada externa» (o famigerado desequilíbrio» das contas externas… Ou «importar mais do que aquilo que se exporta»…)  E vai daí, vamos lá a misturar alhos com bugalhos e vai que surge uma dívida pública que, em meia dúzia de anos, salta de 60% do PIB para 120%... Mas então a redução das «gorduras» do Estado é que vai reequilibrar as contas externas?... E ninguém pergunta de onde vem o dinheiro que os «mercados» têm para nos emprestar?... Como é?.... Esses «mercados» têm uma fábrica de dinheiro?... Se assim não é, onde é que o foram buscar???... 

Mas será que ninguém se dá conta da redução (para mais de metade!…) dos impostos (tipo IRC e IRS) que os Estados costumavam cobrar para cobrir as suas despesas de funcionamento corrente?... 

E alguns «analistas» ainda têm  a supina lata de dizer que «os impostos estão muito elevados»… Mas quais impostos?... E depois só falam do «aumento das despesas» (que é preciso cortar, dizem eles...) e ninguém fala (ou confronta os ministros das finanças) sobre a redução das receitas ao longo das últimas três décadas?... 

«Paraísos» fiscais?!... «offshores» ?!... 

Tudo isso não passa de poeira nos olhos do pessoal que paga impostos… Assim a modos que para entreter o pagode com umas «teorias da conspiração» ou filmes pseudo policiais onde há uns sujeitos «bons» e outros «maus»… 

Parece que ainda não perceberam que o planeta inteiro é hoje um «paraíso» fiscal para as grandes empresas e fortunas pessoais que se possam permitir de pagar uns 2 ou 3% a advogados, bancos e «refúgios fiscais», em vez de pagarem os 35% a 45% de IRC (ou IRS) que pagavam há uns trinta anos atrás… 

Por outro lado, os famigerados «Programas de Ajustamento Estrutural» (versão anterior dos actuais «Programas de Estabilidade e Crescimento») impostos pelo Consenso de Washington (versão anterior – e de âmbito alargado a todo o mundo  - da nossa conhecida «Troika») nunca resultaram, em parte alguma do planeta. Não há um só país em todo o mundo onde tenham sido aplicados aqueles PAE’s (desde há uns trinta anos atrás) que se possa apontar e dizer «resultou»… Não há um só. A emergência da China (uma economia gigantesca dirigida pelo Estado… ) como potência económica de dimensão mundial que, por via das suas importações de matérias-primas, foi aquilo que reanimou aquelas economias nacionais arruinadas pela crise sistémica do capitalismo e entretanto «saneadas» (reajustadas… diziam eles) pelos famigerados «programas de ajustamento estrutural»…  

Aqui há uns três anos atrás o «Financial Times» publicava um pequeno artigo intitulado «Dívida, o pequeno e sujo segredo do capitalismo»… Segundo o autor daquele artigo, a expansão do crédito para possibilitar o consumo das famílias seria aquilo que tinha impedido – até agora – uma «explosão social». Dizia o insuspeito «Financial Times» aqui há uns três anos atrás… Perante este cenário aquilo que seria razoável esperar da parte de pessoas – supostamente entendidas em coisa de Economia (e sobretudo com um mínimo de conhecimento da História dos últimos dois séculos…) - seria uma pergunta básica do estilo  «será que a nossa teoria económica está errada» ?...   

Mas não. Os nossos «economistas convencionais» - acompanhados por tudo quanto é gestores, executivos e comentadores de serviço – insistem em procurar uma resposta plausível para a pergunta errada… E perante uma situação de crise despoletada (no curto prazo..) por uma crise de dívida (o crédito mal parado das hipotecas «subprime») vamos lá a endividar-nos (aceitando empréstimos leoninos) para resolver o problema da divida… É assim como querer apagar um fogo deitando-lhe gasolina… E há uns comentadores que – muito energicamente - insistem na necessidade de reclamar (ou mesmo exigir) uma «redução dos juros» ou também um «alargamento do prazo de pagamento»… Ou seja, em vez gasolina super de 98 octanas, apagar o fogo com gasolina normal de 95 octanas… Melhor ainda seria «gasolina verde»… Talvez a dívida ficasse mais sustentável… E depois dizem que «se não fosse assim (aceitarmos a dívida – nestas ou noutras condições) não vinha a próxima tranche do mpréstimo»… Mas imaginam eles que virá aí algum camião carregado de notas de 100 euros?… E que tal mandá-los – aos credores - receber a dívida «ao Totta» ?... Pode ser que assim talvez se sentissem obrigados a explicar a tal «dívida»... Na volta ainda tinham muito que devolver.

Ou está tudo doido ou sou eu que estou zarolho…