quinta-feira, 10 de abril de 2014

A dimensão «oculta» da Crise

A propósito da Grande Depressão dos anos Trinta do século XX, disse um dia Keynes, de si e dos dirigentes do sistema capitalista. que se tinham envolvido «numa confusão colossal ao errarmos no controle de uma máquina delicada, cujo funcionamento não entendemos».

“The Great Slump of 1930” (1930), in «Essays in Persuasion»



Tendo regressado a Portugal em meados de 1981, fiz em Novembro de 1983 uma breve comunicação ao 2 º Congresso da Associação Portuguesa de Informática relativamente ao uso da Informática para o estudo da tendência decrescente da taxa de lucro. Ao que nos dizem os clássicos da Economia Política, essa tendência é simplesmente o problema fundamental da Economia, quer no seu aspecto de «realidade económica», quer no seu aspecto de «estudo ciêntífico» dessa mesma mesma «realidade». Tendência essa já antes assinalada por Adam Smith e retomada mais tarde por John Maynard Kaynes.

Na comunicação verbal (bastante atabalhoada...) que então tive ocasião de fazer no Auditório 2 da Fundação Calouste Gulbenkian, e perante uma vasta audiência muito vagamente interessada, expliquei as razões pelas quais dentro de algum tempo (a minha estimativa era então de cerca de uns 20 anos) e para além do «simples» impacto social e económico das «novas» tecnologias da informação e de automatização de processos, o desemprego sistémico iria ter que aumentar de forma «exponencial». Confesso que não contava – de todo – com os truques da financialização e do recurso sistemático ao crédito «fácil e barato», por parte dos «donos do sistema», para obviar às inelutáveis consequências da queda tendencial da taxa de «lucro sistémico», truque esse que, entretanto, estava já em preparação nos principais países do sistema...

Considerando que há diversas formas de entender ou interpretar a noção de «lucro» («retorno sobre o investimento», lucro «contabilistico», lucro «económico», lucro «normal»...) devo aqui esclarecer que uso aqui a noção de «lucro sistémico» no sentido de «rácio entre, por um lado, o valor acrescido produzido pela totalidade da economia mundial e, por outro lado, a soma dos montantes investidos pela mesma economia mundial, quer em «ordenados, prémios e salários», quer em máquinas, depreciação de estruturas, energia e matérias primas e acessórias. Por outras palavras, perspectivando a economia mundial como se fosse uma única empresa gigantesca que interage com a Natureza utilizando recursos materiais e humanos, e distribuindo depois o resultado excedente dessa interacção com a Natureza, de acordo com determinadas regras do sistema capitalista (que é aquele que continua em vigor).

Uma vez obtido aquele excedente económico global (resultante de todo o «trabalho excedentário produzido pelo «colectivo de trabalhadores»), esse excedente económico global é então assim apropriado e re-distribuido por entre os diversos grupos sociais que constituem o «colectivo dos capitalistas» ou «donos e gestores do Capital», designadamente, «lucros» (em sentido restrito de «excedente apropriado pelas empresas», mais ou menos competitivas), «rendas» (de monopólio), «juros» (de eventual recurso a «financiamentos bancários») e «impostos» (em sentido lato e como contributo para o pagamento das «externalidades» sem as quais a economia real simplesmente não pode funcionar.

Pois bem, voltando então à questão da tendência decrescente da taxa de lucro e suas consequências sociais e económicas, e tal como estava previsto («eu bem avisei»... só que ninguém ligou peva... 8-)...) , tem vindo pois a acentuar-se em todo o mundo o aumento sistémico do desemprego.

Segundo a OIT esse desemprego sistémico1 era de 197.000.000 em 2012, tendo passado para 202.000.000 em 2013, devendo ainda chegar aos 205.000.000 em 2014. Segundo a leitura da OIT, «trata-se do resultado de «feed-back loops» (circuitos de retro-acção positiva) em actuação na economia global: as famílias retraem-se no consumo, as empresas não investem, os bancos não financiam... Em suma «estão todos» a retrair-se, mesmo com as injecções de capital financeiro por parte dos bancos centrais. Mas tudo isso parece ser explicado como se estivéssemos perante uma maldição caída dos céus sobre uma Humanidade pecadora, ou algo assim.

Se descermos do nível analítico à escala da economia global para a escala de análise de cada país concreto, encontraremos aquilo a que os cientistas sociais costumam chamar de «factores intervenientes»... Há países que são auto-suficientes em quase tudo o que é fundamental para uma economia funcionar, há paises que vão funcionando como polos de atracção da actividade económica que continua a haver, há pseudo-países (os chamados «paraísos» ou «refúgios fiscais») que vivem de roubar receitas fiscais a todos os outros países de maior dimensão, há países de economias fragilizadas pela má governação dos respectivos estados, há também países que vão vivendo (bem ou nem tanto assim...) das chamadas «rendas petrolíferas».

Disse mais acima que a própria OIT apontava como indícios da crise do aumento continuado do desemprego que «as famílias retraem-se no consumo, as empresas não investem, os bancos não financiam»... Tudo isso acaba também por ser resumido como sendo o resultado das políticas de austeridade o que, até certa medida, até está certo...

No caso do país português, um outro «factor interveniente» a considerar é o ciclo eleitoral: em vésperas de eleições, os partidos no poder procuram sempre renovar os jogos de sedução e propaganda (cada vez mais mentirosa...) de modo a iludir a cidadania sobre eventuais indicadores de uma «miraculosa recuperação» económica.

Num aparte dir-se-á aqui que esta continuada referência a «milagres», para além de ser uma ofensa a genuínas e respeitáveis crenças de cariz religioso, é capaz de ser um bom indicador do grau de (des)conhecimento ciêntífico sobre a natureza dos fenómenos económicos.

Seja como for, na modesta opinião deste «ilustre desconhecido», pode ser que tenhamos já «batido no fundo», mas duvido. Do ponto de vista de quem nos (des)governa, há sempre algo mais para esgravatar nas reduzidas poupanças das classes trabalhadoras. E, se for mesmo necessário, continuar-se-á a vender património (último recurso para pagar dívidas, legítimas ou ilegítimas, tanto faz...). Se de facto já tivermos «batido no fundo», o problema que então se coloca é o de sabermos se há qualquer hipótese de alguma vez recuperarmos o que nos foi roubado e se alguma vez irá esta comunidade nacional (a que os românticos chamam «Pátria»...) enveredar por caminhos de crescimento e/ou desenvolvimento social e económico.

Com esta ideologia e este tipo de governação, bem podemos esperar sentados.

Repito - na modesta opinião deste «ilustre desconhecido» - se estiver correcto o exercício de análise sobre o comportamento do sistema capitalista apresentado por mim em 1983 e comunicado ao tal congresso da Associação Portuguesa de Informática – então só há dois caminhos para sairmos da CRISE: 
Ou uma redução sistemática (drástica mesmo) dos horários de trabalho, de modo a distribuir os empregos sistémicamente disponíveis pelo maior numero possível de desempregados, 
ou um regresso em força às práticas de fiscalidade progressiva que vigoravam nas décadas de Cinquenta e Sessenta do século XX e que permitam uma redistribuição «coerciva» do rendimento colectivo, 
ou uma combinação desses dois vectores de intervenção
Em qualquer dos casos será sempre necessária uma forte e decidida intervenção estatal nesse sentido. Tudo o mais serão paliativos que poderão ir «amolecendo» ou «anestesiando o doente» sem – de todo – chegar às causas do problema.

É por essas razões que este «ilustre desconhecido» embora conserve uma réstea de esperança, no curto e médio prazo, está algo pessimista. A menos que entretanto haja juízo na cabeça de alguns membros da oligarquia (a verdadeira...) ou que nos poucos países com algum peso na economia mundial onde haja ainda résteas de efectivo «poder de Estado», venha a haver algum sobressalto cívico (por parte de políticos de Esquerda histórica, entretanto «adormecidos») e que leve esses países a arrastar – até pelo exemplo – alguns outros países, na senda do investimento público orientado para satisfação de necessidades sociais.




1Referimo-me aqui a perda de empregos na economia formal, não levando em linha de conta o número (crescente?...) de «pseudo-empregos» em diversas actividades («biscates»...) na chamada «economia infornal»