A
Propósito de Energia Nuclear
Alguns
dados fundamentais numa perspectiva global e de longo prazo
ou
«Uma
rudimentar defesa do Nuclear em 3 páginas e 10 parágrafos»
Guilherme
da Fonseca-Statter - Oeiras,
5 de Março de 2017
Texto enviado a dois ilustres deputados da Nação, em Lisboa e em Bruxelas
1.
Parece que estão em funcionamento em todo o mundo cerca de 400 centrais
nucleares de «meia-dúzia» de tipos diferentes. Estas centrais
nucleares produzem cerca de 330 GigaWatts/hora. Em 28 de Novembro de
2016, havia em 31 países 450 centrais nucleares com uma
capacidade instalada de cerca de 392 GigaW/h. Há também 60 centrais
em construção com uma capacidade prevista de 60 GigaWatts. Em
termos de comparação, Portugal produz anualmente cerca de
50GigaW/h. As
mais antigas têm cerca de 45 anos de uso.
2.
A tecnologia nuclear actualmente em uso tem o estigma indelevel da
utilização militar de alguns dos seus produtos derivados, em
particular as bombas atómicas, assim como os três grandes
«desastres» que causaram dezenas de mortes directas e muitos
milhares de mortes indirectas. E no entanto o número de mortes
atribuíveis à produção de energia nuclear é muito menor do que o
número de mortes atribuíveis à produção de outras fontes de
energia. De acordo com a revista «New Scientist»,
mesmo contando com o desastre de Chernobyl
as centrais nucleares existentes (mesmo assim...) têm sido menos
mortíferas do que as energias fósseis. Na realidade a energia de
origem nuclear (mesmo com a actual tecnologia) tem sido, de facto,
menos mortífera do que todas as outras fontes de energia. Até
por causa da percepção social de perigo, a energia nuclear tem
estado sujeita a muito mais disciplina e controle de qualidade do que
todas as outras. Exactamente (e
paradoxalmente?...) por parecer muito mais perigosa é que é muito
mais controlada, tendo muito menos «desastres». Em 50 anos
registaram-se três.
3.
Os proponentes de uma tecnologia nuclear alternativa,
que não apenas a modernização das actuais variações da
tecnologia básica acima referida, designadamente o chamado «ciclo
tório» têm duas (ou três...) frentes de «combate»
para um maior «tempo de antena»: (a)
a má fama da tecnologia nuclear em si mesma, (b)
os interesses financeiros/industriais da tecnologia nuclear instalada
e (c) os interesses
financeiros/industriais das indústrias dos combustíveis fósseis.
4.
No caso da «má fama», esse até será o combate mais fácil na
medida em que se trata «apenas» de esclarecer os «Verdes»,
de forma tranquila e recorrendo à ciência «pura e dura». No caso
do combate aos interesses da da tecnologia nuclear instalada é muito
mais difícil pela simples razão de que os modelos actualmente em
uso (e mesmo os em desenvolvimento para a chamada Geração III) têm
como modelo de negócio a «oferta» das centrais, para depois vender
o combustível e o serviço. No caso dos combustíveis fósseis o
combate será muito mais fácil e até susceptível de formação de
alianças com activistas pela cidadania e pela ecologia planetária.
5.
Em contraste com o Urânio, e em termos de efeitos sobre a saúde
humana, dir-se-á que o Tório simplesmente não é radioactivo.
O Tório é cerca de 4 vezes mais abundante na crosta terrestre e
está razovalmente distribuído por todo o planeta. Mas considerando
que o Urânio-235 (o isótopo que serve de combustível físsil) é
apenas 0,7% do urânio natural, temos que o Tório é cerca de 400
vezes mais abundante. No caso do chamado «ciclo tório»
importa referir que o Tório não é solúvel na água pelo que nunca
haveria o perigo de contaminação química de rios... Por outro lado
o Tório tem estado a ser extraído juntamente com as chamadas
«terras raras» (essenciais para a fabricação das electrónicas
todas que fazem parte do nosso dia-a-dia), mas tem estado a ser posto
de lado (e armazenado em bidões, em armazéns ou ao ar livre...) por
falta de utilização. Esse mineral Tório já extraído
(e refinado...) possui energia nuclear suficiente para electrificar
todo o planeta durante alguns milhares de anos.
6.
O Tório como fonte de energia nuclear (alternativa ao urânio...)
foi testado durante cerca de dois anos num reactor MSR («molten
salt reactor» ou «reactor a sal derretido») inventado por
Alvin Weinberg, então director do «Oak Ridge National
Laboratory» (Tennessee-EUA).
Especula-se sobre as razões que determinaram o seu encerramento por
ordem do então presidente Nixon. A razão mais avançada é a de que
a partir do chamado «ciclo tório» de produção de energia nuclear
não era possível fabricar os elementos necessários para a produção
de bombas atómicas.
7.
A tecnologia associada à produção de energia nuclear a partir do
«ciclo tório» é radicalmente oposta (inversa,
simétrica...) à tecnologia associada à produção de energia a
partir do «ciclo urânio». Esta tecnologia actualmente em uso tem
duas (ou três) características fundamentais: (a)
água pressurizada (em alguns modelos a pressão chega a ser de 100
atmosferas...), (b) combustível
sólido e (c) o Urânio-235
(radioactivo) como combustível físsil.
7.a
- No caso do «ciclo urânio» é usada água (água comum purificada
ou água pesada) sempre pressurizada, para
arrefecimento e produção do vapor que movimenta as turbinas que
geram a electricidade. Já se tem dito que uma central nuclear
«convencional» não é mais do que uma gigantesca panela de
pressão. O que deu origem à necessidade de grandes contentores com
paredes de betão reforçado com mais de um metro de espessura,
envolvendo «panelas de pressão» de «aço especializado».
Nesta tecnologia, estes incontornáveis requisitos técnicos aumentam
desmesuradamente os respectivos custos de produção.
7.b
- Por sua vez na tecnologia associada à produção de energia
nuclear a partir do «ciclo
tório»
o combustível nuclear é processado dissolvido em sal de fluor a
temperaturas de cerca de 600 graus centígrados mas
à pressão atmosférica normal.
O mais que pode acontecer é o sal arrefecer e solidificar. Ou seja,
não há risco de explosão. Não havendo risco de explosão não há
necessidade de sistemas de contenção de ventilação
que, nas centrais nucleares convencionais, são supostos
prevenir/evitar a saída de «gases poluentes» em caso de acidente.
8.
Não sendo radioactivo, o Tório também não é
físsil. Ou seja, não «explode» nem serve para ser utilizado como
combustível «primário». Trata-se pois de um elemento
«fertilizante» que (no processo de produção de energia) dá
origem a um isótopo temporário e artificial do urânio (não
existente na Natureza...) que é o Urânio-233. É este isótopo do
Urânio que, ao cindir-se em cadeia (a chamada fissão nuclear em
cadeia) vai dar origem à energia térmica necessária para a
produção de electricidade, por meio de turbinas a gás.
9.
A «indústria nuclear» de hoje é composta por empresas
como Westinghouse, General Electric, Toshiba, AREVA, Rosatom,
Babcock & Wilcox que
prosseguem os seus investimentos na base de reactores arrefecidos a
água e alimentados por dióxido de urânio em estado sólido. Não
têm qualquer incentivo para mudar, dado que a tecnologia de «sal
derretido» («molten
salt reactors» ou
MSR), na base do ciclo tório, é tecnicamente incompatível com as
tecnologias actualmente em uso. Para essas empresas a adopção do
ciclo tório sob a forma de «sal derretido» (e à presssão
atmosférica normal...), seria como «começar tudo de novo».
Assinale-se que os seus rendimentos estão dependentes da
«facturação anual» do combustível sólido utilizado nas
centrais. Por outras palavras,
pode-se argumentar que o seu negócio não é vender energia
eléctrica. O seu negócio será antes vender combustível à base de
urânio. É para isso que estão vocacionadas.
10.
O facto de o tório ser particularmente adequado para os
«reactores a sal derretido» permite também recuperar (por
separação química) cerca de 90% dos «desperdícios» gerados na
produção de energia. Só que muitos desses «desperdícios» são preciosos
produtos radioactivos para uso em medicina. O caso mais recente
(1997) é o da «produção» de Bismute-213, fundamental para o
tratamento de
cancro. Irónicamente, o «Idaho National Laboratory» (EUA) tem
estado a usar os «restos» do «MSR
Experiment»,
o tal que foi cancelado em 1969... Quando acabar, acabou.
Para
concluir, e nas palavras de Carlo Rubbia, Prémio Nobel da Física e
director-geral do CERN entre 1989 e 1993,
«Thorium
has absolute pre-eminence over other fuel types, including uranium
and fossil fuels».
Frase
proferida por Carlo Rubbia durante a «Thorium Energy Conference»
em Geneva 2013