sábado, 23 de fevereiro de 2013

Ainda as «conversas com livros» - 2

A segunda questão que me foi colocada por Manuel Duarte é então a seguinte:
b) «Falaste de acumulação. Lembrei-me da tese de Marz sobre a acumulação primitiva: A propósito da China, não se estará na fase da "acumuluação primitiva socialista"? Era a tese do Preobrajenski (não sei se é assim o nome, estou a escrever de memória)
Lenine não fez o mesmo com a NEP? Claro que haverá sempre o perigo dos capitalistas tomarem o poder. Como aconteceu na URSS.
Quando tiveres tempo, gostaria de nos voltarmos a encontrar para trocar ideias sobre estas questões teórico-práticas.»

Esta segunda Questão apresenta-se como sendo mais de cariz histórico-político.
A Acumulação Primitiva
Na minha leitura de Marx, quando ele falava em «acumulação primitiva» estava a falar dos múltiplos processos sociais de acumulação de riqueza que antecederam a emergência e triunfo do modo de produção capitalista. Nesta minha leitura (outros poderão ver a coisa de modo distinto...) está também implícita a ideia das relações entre, por um lado o poder político (o «Princípe» ou o poder da «espada»...) e, por outro lado o poder económico (o dinheiro ou o poder dos «mercadores»...).
Em muitas civilizações que nos precederam, aquilo a que agora poderíamos chamar de «acumulação primitiva» tanto se podia concretizar em estradas, pontes, aquedutos e canais de irrigação, ou ainda socalcos para o cultivo de vinhedos ou de arroz de sequeiro, como se poderia concretizar em catedrais ou pirâmides de utilidade económica e social mais do que duvidosa.
Nesse contexto a acumulação imposta por Lenine e Estaline (por exemplo!...) não é muito diferente da acumulação imposta pelo Marquês de Pombal ou por Colbert. Quanto a mim será «apenas» uma (enorme) questão de grau!...Lembro a esse respeito aquela famosa definição de Lenine sobre o que seria p comunismo (no imediato do seu tempo e em termos de Política Económica»): «a electrificação da Russia e o poder dos sovietes»... Para o caso que aqui me interessa ilucidar, foco a atenção na «electrificação»...
O chamarmos àqueles processos de acumulação de «capital-máquina» do tempo do mercantilismo (como a algumas manifestações actuais do mesmo processo económico), «acumulação primitiva socialista» ou «capitalismo de Estado» (ou outra coisa qualquer...) pode ter interesse – e por vezes até tem – mas julgo que será útil termos presente que uma expressão como «acumulação primitiva socialista» deve querer significar que essa acumulação não é feita sob o controle de empresas «independentes» mas sim sob o controle de um Estado ao serviço da generalidade das classes trabalhadoras e não só dos executivos dirigentes daquelas empresas.

Ainda as «conversas com livros» - 1

Na sequência da «conversa» propriamente dita - realizada na passada Segunda-Feira - foram-me colocadas dias depois duas questões, por parte de Manuel Duarte. 
Na perspectiva do próprio autor a primeira questão seria do foro epistemológico, enquanto que uma segunda questão dizia respeito ao tema da «acumulação primitiva».
A primeira questão foi então assim formulada:

«Nos finais do século XIX, principios do séc. XX, para os físicos deixara de haver calor. Ou seja, não se pode nem deve falar de calor, pois não há calor, mas apenas "coisas quentes". O conceito de "calor" seria um conceito metafísico e que teria impedido a Calorimetria de se desenvolver durante séculos. Os neopositivistas seguiram esta tese. A pergunta que ponho é esta: não será que não há valores, mas apenas preços? Não será por esta razão que a tal economista lamentava que Marx fosse um dialéctico em vez de, acrescento eu, um neopositivista?
Diziam os físicos neopositivistas (e empireocriticistas)que o calor não se mede, mas sim os corpos que ou estão quentes ou frios. Não será este o modelo de pensar do Bohm-Bawerk? As mercadorias ou têm preço ou não têm. O valor é subjectivo, é metafísico. Isto coloca uma questão interessante que abordaste ao de leve:a relação da lógica formal com a lógica dialéctica.»

A questão de «Valores» e «Preços»
Atenção: poder-se-ia por começar aqui com a asserção de que «por definição» as «mercadorias» têm sempre preço! Ou seja, aquilo que faz com que um determinado «bem» ou «serviço» seja uma mercadoria é justamente o facto de ter um «preço»... Mas creio que não é essa a questão que aqui se coloca.
Em todo o caso a relação entre «valor» e preço» é uma questão recorrente e que tem causado polémica e mal entendidos «quanto baste». Trata-se de facto de uma questão de entendimento e de perspectiva «filosófico-cièntífica». A esse respeito, e no contexto indicado, direi que penso que a relação dos conceitos de «calor» e «temperatura» é de uma natureza distinta da relação dos conceitos de «valor» e «preço»... Quer-me parecer que «calor» é uma sensação de carácter psico-fisiológico, enquanto que «temperatura» é a dimensão (mensurável) correspondente a uma determinada forma de energia; para o caso a maior ou menor agitação/vibração de átomos e/ou moléculas. Em todo o caso parece-me que será consensual a afirmação de que a maior ou menor temperatura (que corresponde a uma maior ou menor vibração de partículas) se traduz (se manifesta) por um aumento ou redução do calor.
Aceito como boa a asserção de que para «os físicos neopositivistas (e empireocriticistas) que o calor não se mede, mas sim os corpos que ou estão quentes ou frios».
E no entanto têm sido feitos progressos razoáveis na medição (da sensação psico-fisiológica) do «mais quente» ou do «mais frio»... A «coisa» parece que não é linear, ou seja não é uniforme a variabilidade da sensação, mas tem sido possível medir essa «sensação psico-fisiológica» com razoável grau de validade. Por razoável «grau de validade» quero dizer que os resultados das medições têm sido consensualmente aceites pela comunidade cientifica que se dedica a esses estudos.
Entendo então que a relação entre «valores» e «preços» será então de uma natureza diferente.
Tal como tive ocasião de referir durante a «Conversas com Livros», entendo que os «valores mercantis» são - em última análise - «porções da Natureza apropriadas e transformadas pelo trabalho humano para efeitos de venda». Os «valores» correspondem aassim a «tempos de trabalho socialmente necessários», os quais se medem em termos de «tempo» e/ou «energia despendida1», tal como são percepcionados pela comunidade, no seio da qual é feita essa avaliação.
Históricamente a emergência social do fenómeno «preço» só aconteceu pela necessidade de facilitação das trocas. Ou seja, a noção de «preço» está para a noção de «valor», como as noções de «metro-padrão» ou «escala de Celsius» estão para as dimensões das coisas a medir; para o caso as grandezas ou dimensões como «distância», «comprimento», «largura» ou «temperatura».
Em todo o caso teremos aqui uma agravante (ou complicação adicional): enquanto que o metro-padrão (arquivado algures num museu em Paris) é suposto nunca se alterar, na medida em que é uma constante física (da «imutável» Natureza...), o «preço» mede-se em dinheiro o qual é um constructo social e como tal sujeito a variações no Tempo e no Espaço.
Disse mais acima que o «valor» (é a grandeza cuja dimensão importa medir...) corresponde ao «tempo de trabalho socialmente necessário» (para apropriar e transformar a Natureza). Nesse contexto, uma complicação adicional vem do facto de que o «tempo socialmente necessário» (ou a energia que é socialmente necessário dispender) para produzir o que quer que seja, tem estado a reduzir-se de forma constante desde a invenção da ciência e da sua aplicação à tecnologia. Cada vez mais aproveitamos do trabalho (o tempo passado e as energias gastas/materializadas) que outras gerações antes de nós executaram.
Temos assim duas complicações:
Por um lado a percepção social varia de grupo social para grupo social veja-se o caso (quase anedótico...) da percepção do valor de uma casa quando a mesma se quer vender ou comprar, por parte dos diversos intervenientes: o vendedor, o comprador, o banco, o agente imobiliário, o inspector das finanças...
Por outro lado o «padrão de medida» (o dinheiro) está sempre a encolher ou a expandir-se...
Acrescente-se ainda a estas duas complicações, o facto empiricamente banal de que os agentes intervenientes estão permanentemente sujeitos a «assimetrias de informação»...
Como diz o povo, «o segredo é a alma do negócio».
A Joan Robinson (a tal economista acima referida ainda que não mencionada e que lamentava que Marx fosse um dialéctico em vez de, acrescento eu, um neopositivista...) só não tinha razão para o seu lamento na medida em que Marx afirmou – mais do que uma vez – que «os preços são apenas a actualização dos valores». Acrescento eu, «quer no sentido aristotélico de "concretizar", "tornar visíveis", "actuais" (os valores), quer no sentido de que, com a variação dos tempos de trabalho socialmente necessários (a primeira das complicações que eu refiro mais acima) a sociedade vai paulatinamente ajustando os «preços» ao novo «padrão de medida» (o tempo agora socialmente necessário para a produção daqueles «valores»...
1A relação entre «tempo de trabalho» e «energia despendida» é aqui apenas uma de «perspectiva» ou «ângulo de visão», mas eu falo das duas categorias analíticas apenas como forma de ilustrar o tema.

A segunda questão colocada fica para uma nova mensagem

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Conversas com Livros

Na passada Segunda-Feira, ao fim do dia, lá estive no Espaço Grandella da Biblioteca-Museu República e Resistência (Estrada de Benfica - Lisboa) nas «Conversas com Livros» a falarmos de «Os Erros de Marx e as Asneiras dos Outros». A sala - pequena - estava quase cheia (havia duas ou três pessoas em pé, mas a fila da frente tinha lugares) mas, para mal dos meus pecados e havendo dois ou três jovens presentes, eu diria que a média de idades rondava os 60+ anos... Uma das questões que foi levantada foi a de «Que Fazer?...» (como se tivéssemos ali o Lénine...). Pela minha parte lembro Kurt Lewin e a sua asserção de que «não há nada mais prático do que uma boa teoria»... Ou seja, antes de intervirmos eficazmente sobre o sistema é melhor entendermos o seu funcionamento.
Cada um faz a militância que pode e como «presunção e água benta cada um toma a que quer»,

PARA QUE CONSTE:
Pela minha parte estou disponível para me deslocar a Bragança ou a Vila Real de Santo António; a Vila do Bispo ou a Valença do Minho (por minha conta...) para ajudar a esclarecer os desempregados jovens (mas não só) sobre as causas/razões profundas de eles não encontrarem emprego, enquanto que eu (há cinquenta anos atrás) mudei três vezes de emprego entre os 16 e os 20 anos de idade. Mas mudei de emprego, saindo de um emprego no Sábado e começando a trabalhar no outro na Segunda-Feira seguinte... Se as pessoas não entenderem como é que isto funciona - este sistema e a sua lógica profunda e de longo prazo - nunca mais saímos deste ciclo infernal. Não é isso que quero para os meus netos...