Da Relevância Crucial da Teoria (laboral) do Valor
No
seu objectivo de explicar e justificar determinados fenómenos da
economia em que vivemos e cujas consequências afectam de modo
desigual a generalidade dos membros da sociedade humana, os
economistas convencionais ou da chamada linha principal, há muito
tempo já que decretaram – segundo julgam a título definitivo –
que estavam profundamente erradas as ideias de Karl Marx
relativamente ao funcionamento da economia capitalista. Mas nem
sempre foi assim. No seu, tempo, mesmo sendo um autor já então
perseguido ou ostracizado, havia pelo menos a ideia de que a análise
de Marx sobre o sistema capitalista reflectia de facto –
explicando-a com rigor – a realidade objectiva e observada dos
factos económicos. Por exemplo, a própria Igreja Católica chamava
a atenção para aquilo a que então se chamou de “A Questão
Social”, justamente com base na observação dos fenómenos sociais
explicados pela análise produzida por Karl Marx relativamente ao
funcionamento da economia capitalista. Ainda por exemplo, Karl
Rodbertus, um economista conservador e contemporâneo de Karl Marx,
acusava mesmo este último de o ter plagiado, muito em particular no
que diz respeito à sua formulação da teoria laboral do valor. Ou
seja, no tempo de Karl Marx não era propriamente o fundamento da sua
análise sobre o modo de funcionamento do sistema capitalista que era
posto em causa. Aquilo que se punha em causa – nos círculos
académicos, sociais e políticos dos dirigentes do sistema - eram as
consequências que daí podiam naturalmente advir. Designadamente a
tentativa “revolucionária” de acelerar o curso da História e
“forçar a passagem” para um outro sistema de organização
social e económica.
Poderá
mesmo considerar-se (sem forçar muito a nota...) que a emergência
da abordagem marginalista, por via dos trabalhos de autores como
William Jevons (1862), Carl Menger (1871) ou Léon Walras (1874),
não podendo propriamente ser considerada como uma resposta ao
paradigma analítico desenvolvido por Karl Marx1,
pode antes ser considerada como uma especificidade analítica do tipo
de comportamento decisório por parte dos agentes económicos, quer
na produção, quer no consumo. Por outras palavras, não se trata
de discutir se o paradigma analítico marxista está errado e o
paradigma analítico marginalista está certo, ou vice versa.
Enquanto que o paradigma analítico marxista explica o modo de
produção e distribuição da riqueza mercantil produzida, o
paradigma analítico marginalista explica as razões das tomadas de
decisão por parte dos agentes económicos, relativamente à dimensão
quantitativa (ou situação “óptima”), quer do lado dos factores
de produção quer do lado do consumo. São duas facetas distintas e
complementares que, no entanto, aparecem quase sempre apresentadas
como se fossem “paradigmas alternativos”.
Voltando
entretanto à questão das possíveis consequências de uma
compreensão plena e eficaz dos mecanismos e da lógica de
funcionamento do sistema capitalista (conhecimento é poder...),
tornou-se urgente refutar as bases teóricas das análises expostas
em “Das Kapital “ de modo a que as mesmas pudessem ser
“varridas para um qualquer caixote do lixo da história das
ideias”.
Foi
assim que a teoria marginalista veio devidamente aproveitada para,
através de uma exclusiva atenção ao epifenómeno do “preço”,
se esconder por debaixo do tapete, o interesse da categoria analítica
“valor”.
1Em
rigor dir-se-ia antes que a emergência das ideias do marginalismo
eram um desenvolvimento da teoria da renda de David Ricardo (“é o
valor produzido nas terras marginais aquilo que determina a renda
das terras mais férteis”...), implicando no entanto o abandono da
teoria laboral do valor, desenvolvida pelos clássicos e
reelaborada, de forma crítica, por Karl Marx. Em todo o caso, o
primeiro volume de “Das Kapital” até só foi publicado
em 1867, ou seja 5 anos depois da publicação do artigo de William
Jevons General Mathematical Theory of Political Economy .