Algumas reflexões avulsas e algo «contra-corrente»...
De alguém que por vezes tem a mania de «marcher à coté de ses chaussures».
Aqui
há uns meses atrás fui contactado por uma senhora jornalista para me pedir
a minha opinião sobre aquilo que poderia acontecer na África do Sul
quando morresse Nelson Mandela. Era ainda a repetição do síndroma
«WHAM» («what happens after Mandela»). A minha opinião
terá sido simples, curta e directa «quanto baste»:
«Nada de
especial»...
É
evidente que o homem Nelson
Rolihlahla Mandela esteve
mais do que à altura das circunstâncias históricas em que teve que
viver e figuras como ele (no século XX) talvez apenas Mahatma
Gandhi. Curiosamente
também foi na África do Sul (confrontado com a brutalidade estúpida
de um regime de «apartheid» - ainda sob o domínio britânico!...)
que também Mahatma Gandhi terá «acordado» para a sua militância
pela justiça social.
Mas
justamente pela sua grandeza moral como pessoa é que Mandela soube
conquistar os seus opressores e levá-los à conclusão que o melhor
mesmo para «eles» (os dirigentes «afrikanderes») era aceitarem
uma África do Sul consolidada e plenamente integrada no globalização
neoliberal onde eles já tinham – entretanto – garantido o seu
lugar. Tudo isso, de uma «África do Sul unida e consolidada», em
vez de uma balcanização em que cada «tribo» - incluíndo a
«tribo» Afrikander - pudesse construir o seu próprio
«estado-nação».
E
lembrei (ou informei) a referida senhora jornalista de que o processo
de libertação de Nelson Mandela tinha sido preparado, com muita
antecedência.
E até e sobretudo por pressão dos dirigentes do
capitalismo sul-africano.
Foi assim que durante os últimos anos da
sua vida como prisioneiro, na prisão de «Victor Verster», Nelson
Mandela passou a ser tratado com as mordomias adequadas a quem estava
naturalmente destinado a vir a ser Presidente da República. Tudo
isso – das condições de vida e das negociações sobre a
libertação - está documentado.
E
isso de modo a garantir a continuidade do sistema social e económico
em que vivem (e sempre viveram) os sul-africanos. Bastava para isso
«cooptar» os principais dirigentes «negros» (e outros
«não.brancos») para posições de relevo social e económico. Em
jargão lusitano «em vez de serem os brancos a arcar com a odium
de reprimir os trabalhadores pretos, que fossem então agora alguns
dirigentes negros a encarregar-se dessa tarefa».
Uma
eventual marcha para o Socialismo, como parecia ter sido a promessa da luta do ANC, isso era uma outra questão.
Aquando
das provas públicas da tese «A África do Sul e o Sistema-mundo –
Da Guerra dos Boeresà Globalização» tive ocasião de comparar De
Klerk com Marcelo Caetano. Este não tinha tido a coragem suficiente
para fazer uma descolonização «a tempo e horas». Aquele dirigente
africander, tendo visto o que tinha acontecido com as antigas
colónias portuguesas, «pôs as barbas de molho» e decidiu fazer
aquilo que fez: um golpe de Estado para forçar a demissão do seu
antecessor P.W.Botha (o qual hesitava e continuava a hesitar naquilo
que fazer para acabar de vez com o regime de «apartheid»).
O
resto é história.
Não fosse a derrota do apartheid (Cuito Canavale 1987/1988) e o cerco político a que ficou sujeito por Angola e Moçambique, Mandela teria sido libertado em 1990 e a história teria seguido esse curso?
ResponderEliminarNão é fácil - e talvez não sirva para muito - especular sobre o que «poderia ter sido».
EliminarMas, mesmo assim, atrevo-me a algumas reflexões obre o assunto na medida em que (aqui a minha opinião vale o que vale, é apenas mais uma...) a batalha de Cuito Canavale acontece quando o «combóio da transição» já estava em andamento.
Um membro da alta burguesia africander disse-me a mim pessoalmente em Junho de 1975 que a solução para a África do Sul era «relativamente simples»: um homem um voto e a vida continua...
Depois disso, já a viver na Zâmbia (em 1976) tomei conhecimento de um «encontro histórico» entre o presidente P.W.Botha e Kenneth Kaunda em que - dizia-se - teriam sido discutidas várias «saídas» (o mais airosas possíveis) para o regime de «apartheid»...
Em 1987 a libertação de Mandela estava planeada desde há vários anos (foi transferido para fora de Robben Island em 1982) e «só não se sabia era como fazer engolir essa "pílula" aos irredentistas da "separação de raças" ou de «uma pátria só para os africanderes»... Coisa que a alta burguesia africander já tinha ultrapassado há muito tempo. Por outro lado, o «cerco político» a que se refere Cid Simões já existia - mas infelizmente só funcionava no papel - desde a formação da chamada «Linha da Frente». Digo que só funcionava no papel na medida em que quando as fábricas de refinação de cobre da Zâmbia tinham problemas de electricidade (às vezes acontecia...) havia «uma chamada telefónica» para Sul e o problema resolvia-se «em três tempos». Um outro aspecto que muita gente ignora - ou prefere ignorar - terá sido a prounda rivalidade histórica entre «boeres/africandres» e «ingleses»... Mandela soube também aproveitar essa linha de rotura entre a «comunidade branca».
-Nem mais .
ResponderEliminaraferreira