Aqui
há dias, participando numa aula de uma «universidade senior» para
que tinha sido convidado como palestrante (estou sempre disponível
para tertúlias e afins para que me queiram convidar! ), um dos
presentes colocou uma questão extremamente relevante (e actual...).
Só
o adiantado da hora – o espaço utilizado tinha mesmo que fechar -
impediu muitas e mais detalhadas explicações.
A
questão levantada tinha a ver com os possíveis (ou eventuais)
efeitos inflacionários de toda a massa monetária que tem sido
criada para «incentivar a economia», assim como os montantes
«astronómicos» parqueados no sistema mundial «offshore» e
saltitando de refúgio fiscal em refúgio fiscal (os banqueiros
chamam-lhes «contas saltitantes»). E alguns dos «seniores»
presentes manifestaram uma legítima preocupação sobre o que
poderia acontecer se (ou quando) toda essa massa monetária entrar em
circulação (ou algo assim...).
A «teoria quantitativa da moeda» convencional diz-nos que o nível
geral de preços é determinado («é função de»...) pela quantidade
de dinheiro (a multiplicar pela velocidade de circulação da moeda)
dividida pela quantidade de bens e serviços disponíveis para venda
no mercado.
Este
modelo explicativo, ainda que básico (ou rudimentar, dirão os mais
sofisticados) tem alguma pertinência explicativa para a compreensão
do que está a acontecer.
Todos
aqueles mais curiosos destas coisas da economia e da História sabem
o que foi a «inflação galopante» dos tempos da Alemanha a seguir
ao fim da primeira guerra mundial. Mais recentemente foi notícia a
hiper-inflação no Zimbabué. Tudo isso «porque havia dinheiro a
mais em circulação».
Perante
estes cenários parece perfeitamente normal que cada um se interrogue
sobre o que pode acontecer (a todo o instante?...) à «nossa»
inflação. Acontece que na tal equação acima referida, temos no
numerador a «quantidade de dinheiro» e «velocidade de circulação»
e, por outro lado, temos no denominador a «quantidade de bens e
serviços disponíveis para venda».
Na
situação actual temos que grande parte daquela (alarmante?...)
massa monetária acima referida está parqueada (ênfase no
«parqueada»...). Por outras palavras, grande parte (impossível saber
quanto...) não circula (a não ser em circuito fechado no interior do sistema
«offshore»...); ou seja, está parada. E quando circula não é para
«ir às compras a qualquer centro comercial».
Por
outro lado, no que respeita ao denominador da tal fracção, a
quantidade de bens e serviços disponíveis é grande. Muito grande
mesmo (vejam-se as promoções e saldos tornados corriqueiros ao
longo de todo o ano...). Também em consequência da «crise de
sobreprodução» em que estamos mergulhados de há uns anos a esta
parte, parece que não haverá grandes razões para temer uma hiper
inflação a curto ou médio prazo.
Os
indíces de inflação em cada país são calculados com base num
determinado «capaz de compras», e são afectados pelo «poder de
compra» (a «procura efectiva») da esmagadora maioria da população.
Parece que os «ferraris» e «lamborghinis» não entram naqueles
cálculos. O poder de compra da esmagadora maioria da poplução está
a sofrer cortes de há uns anos a esta parte. Na Alemanha, por
exemplo, há uns vinte anos a esta parte que os trabalhadores não
sabem o que são aumentos reais dos seus salários. Temos portanto
uma quantidade de dinheiro razoavelmente estabilizada em procura
efectiva de bens e serviços. Do «outro lado» temos uma quantidade
de bens e serviços que até aumenta. É por isso que um dos grandes
medos dos empresários é o risco oposto: o de uma deflação!
Entretanto,
e para ajudar à complexidade disto tudo, e na medida em que a
inflação é uma desvalorização efectiva do «valor» do
dinheiro, a inflação joga sempre a favor dos devedores e contra os
credores... Também por essa razão, os «nossos» credores não
estão muito interessados em vir a despoletar uma hiperinflação, O
melhor mesmo (para eles, claro...) é deixar estar todo aquele
dinheiro «parqueado» no sistema «offshore». Assim, lá onde está,
funciona como uma espada de Damocles que eles não querem que caia no
pescoço dos devedores, mas que «nunca se sabe». E, por outro lado, sempre vai entrando pela porta errada (para sair de novo, claro), a porta da «compra de dívida pública». Funciona assim como uma forma de chantagem.
A
questão fundamental que aqui então se deveria colocar é a de saber quando
haverá coragem política para «call off the bluff» («cancelar o blefe» diz-me o tradutor autoimático... rsrsrs).
Ou seja, riscar o montante da dívida, pelo menos na parte que diz
respeito a pura ficção financeira.
Estas informações claras e objetivas, com rigor e de fácil entendimento pela generalidade das pessoas, são determinantes para credibilizar os economistas
ResponderEliminarÉ uma questão pertinente que deve continuar sob mira.
ResponderEliminarNunca tinha pensado neste tipo de situação. Cada vez descubro mais coisas interessantes no que toca ao dinheiro...
ResponderEliminarAbraço
Silva Alves
Continuando a tentar compreender empiricamente estas coisas.
ResponderEliminarQuando pensamos apenas do lado do instrumento, da moeda, começamos a patinar. Tipo jogo da "vermelhinha" ou qualquer outro jogo com regras favoráveis a um dos lados, que o outro não conhece.
O grande desafio na dívida pública é justamente perceber e saber qual é a parte dela que é "ilegítima" ou "pura ficção financeira". E aí "A Selva" do escritor Ferreira de Castro, mostra-nos como o seringueiro por mais que trabalhasse nunca conseguia pagar a sua dívida ao patrão. E portanto, muito menos, acumular para poder deixar aquela escravatura.
A questão da dívida deve, em meu entender, ser desmontada comparando relações mais compreensíveis e intuitivas entre devedor e credor. Porque a dívida é no fundo um contrato entre duas pessoas, entre devedor e credor. Mas se este jogo não tem uma saída credível, sustentável, para o devedor e o credor continua a emprestar, aí então o contrato transforma-se numa relação de dependência. E é isso que vale, independentemente de quanto se deve. Porque não tem fim.