Esboço de uma comunicação a fazer um dia, se...
Aquela
que é talvez uma das mais citadas frases de Marx é aquela em que
diz algo como ter encontrado Hegel de «pernas para o ar» (em rigor
aquilo que Marx diz é que em Hegel era a dialéctica que estava de
pernas para o ar...)
«The
mystification which dialectic suffers in Hegel’s hands, by no means
prevents him from being the first to present its general form of
working in a comprehensive and conscious manner. With him it is
standing on its head. It must be turned right side up again, if you
would discover the rational kernel within the mystical shell.» em
«Pósfácio à segunda edição alemã de O Capital Volume I»
http://www.marxists.org/archive/marx/works/1867-c1/p3.htm
No contexto dos actuais (e sempre oportunos) congressos e conferências sobre a obra de Karl Marx, designadamente seminários sobre a leitura crítica de «O Capital», ocorre dizer que talvez algo de semelhante se possa fazer em relação à obra de Marx.
Imagino
que um estudante pós-graduado em ciências físicas possa querer
elaborar um trabalho sobre o conteúdo textual dos
«Princípios
Matemáticos da Filosofia Natural» de Newton
ou sobre os cadernos de apontamentos de Einstein, mas a verdade
factual é que um engenheiro físico pode fazer um doutoramento na
sua área de conhecimento servindo-se apenas das fórmulas
fundamentais dos cientistas físicos que nos precederam na história
da ciência. Poderão eventualmente dedicar-se a uma exege dos textos
daqueles e outros físicos de renome mundial, mas a verdade é que
para projectar o lançamento de satélites artificiais o que têm
mesmo que estudar é Química e Física aplicadas, sem terem muito que se
preocupar com os percursos intelectuais de quem descobriu as leis da Física e da Química que rotineiramente utilizam nos seus cálculos.
No
caso da Economia Política a coisa não é bem assim. No que respeita
à disciplina designada por «economics»
nem vale a pena falar... é uma ieologia matematicamente pura (na
feliz expressão de Alan Freeman) e estará tudo dito.
Voltando
à minha ideia de que, se calhar, seria recomendável «dar um
piparote» na obra de Marx e colocá-la com as pernas no chão, devo
lembrar que uma parte significativa dos escritos de autores marxistas
é sobre explicações e polémicas sobre aquilo que Marx (e Engels)
disseram ou deixaram de dizer, aquilo que «de facto» queriam dizer
ou ainda o significado, implícito ou explicito, desta ou daquela
tese ou afirmação dos autores originais do marxismo. Em suma,
exercícios de exegese, ou seja a interpretação profunda dos textos
de Marx e Engels.
Não
posso afirmar que se trate da maioria dos casos mas, de entre as
várias centenas de páginas que tenho lido sobre o assunto, a
maioria esmagadora dos textos são isso mesmo: discussões sobre aquilo que
Marx escreveu ou deixou de escrever.
Pela
minha parte acho que seria muito mais útil para o combate necessário
e urgente contra a ideologia da tal disciplina que dá pelo nome de
«economics»1
estudar «economia política aplicada» a partir da fórmula
fundamental («Marx dixit»...), a qual fórmula é aquela que explica o
comportamento dinâmico do sistema capitalista:
«a
taxa de lucro é igual à taxa de valor acrescido a dividir pelo
indíce de capital constante mais um».
Ou
em «matematiquês» corrente, «r
= e / k + 1».
Uma
cantilena correspondente no campo da Física seria aquela que diz
«matéria atrai matéria na razão directa das massas e na razão
inversa do quadrado das distâncias».
Por
outras palavras, em vez de «perder tempo» a discutir a
interpretação (certa ou errada) dos escritos de Marx, começar a
estudar a realidade económica com que nos defrontamos a partir da
conclusão (final e definitiva) a que chegou Marx.
Ou seja, de certa forma,
estudar Marx «de trás para a frente»...
Como
a esperança é (ou devia ser...) a última coisa a morrer, ainda
pode ser que venha a assistir ao cenário social de haver aulas de teoria
económica onde se explique tudo isto com o detalhe necessário e
suficiente para os nossos economistas serem capazes de serem mesmo
«cientistas sociais», aptos a prever as grandes linhas de evolução
da economia.
1A
ver se beneficiam do prestígio de «Phisics»...