quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Uma Notícia Insólita (ou talvez não...)


Banqueiros “imploram” para dar crédito
Maria Teixeira Alves   
6 de Novembro de 2012
Económico on line…

«Ulrich deu o exemplo do seu próprio banco. "No caso do BPI, temos um rácio de transformação de depósitos em crédito de 105%, não temos nenhum problema para dar crédito seja a quem for". E foi mais longe: "Agradeço a quem está a promover o banco de fomento que traga para o BPI essas operações de crédito, porque nós precisamos de dar crédito para ter receitas. Tragam-nos as empresas que querem crédito, eu imploro".»
Pelos vistos os «nossos» banqueiros estão preocupados por não conseguirem colocar no seu mercado aquilo que mais gostam de vender: dinheiro fresco sob a forma de crédito para a produção... Na realidade eles têm gostado mais do «crédito ao consumo», mas esse parece que já deu o que tinha a dar e veio a descambar numa crise da dívida (para o caso dívida privada»). E agora «crédito mal parado» é mais do que muito...
O interesse desta notícia estará no facto de constituir apenas um exemplo «paradigmático» de um dos efeitos «colaterais» da malfadada e pouco conhecida (dos tais «economistas» convencionais) lei da queda tendencial (ou tendência decrescente) da taxa de lucro: o da falta de interesse e motivação para o investimento por parte dos agentes privados cuja motivação principal (única...) é a obtenção de lucro. 
Em contraste com os nossos «economistas» convencionais, no entanto, os nossos empresários parece que têm uma percepção (intuição?...) de como é que a coisa funciona. Como que sentem que a expectativa de lucro é muito reduzida, quer porque sentem o pessimismo dos «mercados consumidores» (do que quer que seja), quer porque se dão conta de que nos tais «mercados consumidores» não haverá - hoje ou a médio prazo - poder de compra (a tal «procura efectiva» de que falava Keynes) para escoar a produção que já aí está, quanto mais aquela que se venha a acrescentar.   
Em resultado disto tudo, e a nível da sociedade como um todo, aquilo que temos é um sistema económico a comportar-se como uma espécie de animal anémico (alguns dirão mesmo moribundo...), que teria «desistido de viver», esparramado e à espera de alguma coisa que venha de fora e lhe dê outro destino ou reanimação...
«Eles» bem avançam e acenam com incitamentos e palavras de coragem («vamos lá. que isto avança»...) e com «estímulos» fiscais e «quantitatve easing», mas o bicho não há meio de mexer...  
O problema é que numa economia globalizada, quando as empresas multinacionais «deram a volta» ao Planeta e já não há mais «terra por explorar», não há mais «qualquer coisa que enha lá de fora» a puxar pela expansão do sistema. 
A menos que a colectividade organizada e consciente de si mesma - o Estado - tome a iniciativa, «isto» não sai da estagnação... Ou há guerra (para recriar zonas de expansão) ou há Socialismo... 

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Memórias (e lições) de um passado recente…


A propósito da minha recorrente insistência sobre o facto de não haver quaisquer exemplos de sucesso destas medidas de austeridade com que nos estão a fustigar (para resolver o «gravíssimo» problema da dívida pública…) trago aqui à colação um breve trecho de um livro de R.T. Naylor: «Dinheiro Quente e a Política da Dívida», publicado em 1987 (e traduzido para Português em 1989):
«Quando o presidente De la Madrid desacreditou o «populismo financeiro» do seu antecessor, repudiou igualmente os esforços de Lopez Portillo para atirar as culpas da crise para cima do sistema financeiro internacional. De la Madrid insistiu – numa linguagem que poderia ter vindo directamente de qualquer relatório do FMI sobre o pais – que as causas do problema eram um governo dissoluto e um comportamento consumista, contra os quais o óbvio remédio era uma severa austeridade. À superfície esse remédio pareceu dar resultados. Em 1981 tinha havido um défice de 3.500 milhões de dólares na balança comercial; nos finais de 1982, as importações tinham sido tão reduzidas que havia um superavit de 5.000 milhões nas trocas comerciais. Durante 1983, o superavit ultrapassou mesmo o objectivo estipulado pelo FMI e, em 1954, o México foi apontado como um modelo de respeitabilidade fiscal e financeira.
Os oráculos do «dinheiro bom» exultaram, cheios de entusiasmo. «O remédio prescrito foi tão forte como eficaz» proclamou The Economist. Foi dado grande relevo na imprensa ao reembolso por parte do México, no Verão de 1983, das suas dívidas ao Banco Internacional de Compensações e ao sistema norte-americano de Reserva Federal (dos rendimentos de novos empréstimos de bancos comerciais!). Um vice-presidente do Banco Mundial, Ernest Stern, contribuiu para a escalada de disparates ao declarar que «a forma como o povo e o governo do México tinham conseguido gerir a crise havia enchido o mundo de admiração». No entanto o prémio vai para o economista mexicano que se atreveu a dizer: «Financeiramente as coisas vão muito bem, mas economicamente as coisas vão muito mal!». Isso deve ter servido de consolo a população mexicana: desde 1982 tinha sofrido uma descida nos salários reais de 25% (em fins de 1984, 49%) e uma taxa de desemprego e subemprego na ordem dos 50%»
É por estas e por outras (situações exemplares e até mais antigas) que a mim me dá para dizer que «já vivii este filme»… E o final não tem sido nada feliz.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Para uma Tertúlia nos 40 anos do ISCTE


Texto de «pontapé de saída» para uma Tertúlia realizada em 20 de Setembro no Clube ISCTE
(a propósito dos 40 anos de existência do ISCTE, agora Instituto Universitário de Lisboa)

Cada um de nós, cada um na sua especialidade, está provavelmente certo nas suas asserções sobre o grau de veracidade daquilo que afirma sobre o segmento ou perspectiva da realidade a cujo estudo se dedica.  O problema é que, enquanto cada um estuda o seu ramo de conhecimento, muito poucos se dedicam ao estudo do sistema global, planetário, como um todo.  Por exemplo, embora hoje não haja mais quaisquer dúvidas sobre o carácter global, de âmbito planetário, do sistema capitalista, os economistas convencionais continuam a pensar em termos de economias nacionais. Estão, permanentemente, na chamada «falácia da composição».
Por outro lado, o factor determinante da actividade (da dinâmica…) do sistema capitalista é a taxa de lucro. Seria importante que todos e cada um dos economistas convencionais estudasse o comportamento evolutivo dessa taxa de lucro à escala agregada, do sistema global como um todo. Se estavam à espera disso, bem podem esperar sentados… Já Adam Smith e mais recentemente John Maynard Keynes constataram o fenómeno recorrente da queda tendencial da taxa de lucro. Associando essa queda tendencial à emergência de crises sistémicas. Isto digo eu agora. Karl Marx explicou, ainda que de forma (parece que) insatisfatória (dizem alguns…), o porquê dessa queda tendencial da taxa de lucro. A esse respeito, a polémica tem sido mais do que muita. Até que um economista matemático japonês, de seu nome Nobuo Okishio terá encerrado definitivamente a questão em 1961 provando que seria exactamente ao contrário. É o que dizem…
E vem agora um ilustre e desconhecido sociólogo, neste jardim da Europa à beira mar plantado, explicar e provar (pode ser que sim…) que tanto Karl Marx como Nobuo Okishio, tinham ambos razão, embora dizendo, um e outro, exactamente o contrário…
E digo mais: essa oscilação recorrente da taxa de lucro é o que vai explicando a emergência recorrente de crises sistémicas – quando a taxa de lucro se aproxima do zero (ou melhor, começa perigosamente a descer) - e em que o sistema tem como que a necessidade de fazer uma espécie de purga periódica da capacidade produtiva existente, desvalorizando (ou literalmente destruindo) parcelas significativas do capital constante e em particular do capital fixo já existente. Entretanto, historicamente, quando a taxa de lucro se aproxima do zero (repetindo: «ou melhor começa perigosamente a descer»), o sistema tem-se socorrido de cosméticas financeiras, em particular o crédito ao consumo, para adiar a inevitável necessidade sistémica de recurso à desvalorização ou mesmo destruição… 
A onda da crise da dívida que agora chegou ao Sul da Europa teve as suas raízes há uns 40 anos atrás, quando, a nível global, começou a descer a taxa de lucro sistémico. Até aqui pensávamos que era só com eles, com os países do Sul, dentro de mais algum tempo será também com a França e com a Alemanha.
Entretanto, a pergunta que, pelos vistos, ninguém faz, é: de onde vem todo aquele dinheiro que os chamados «mercados» têm para nos emprestar?...
São milhões de milhões de dólares, euros e eurodólares…
Como se espera(va) explicar nesta tertúlia esses milhões de milhões de dólares, euros e eurodólares vêm de duas fontes principais: 
(a) o poder de compra acumulado (e não utilizado) pelas empresas de dimensão gigantesca que deixaram de pagar os impostos que antes pagavam (incluo aí os executivos e outros «artistas» milionariamente pagos) e 
(b) o capital fictício criado pela banca paralela (ou sombra) pouco ou nada regulada e que se tem permitido toda a espécie de alavancagens para o pingue pongue das trocas e baldrocas de activos financeiros… 

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

ESTÁ TUDO DOIDO OU SOU EU QUE ESTOU ZAROLHO?...

Diz a sabedoria popular que em terra e cegos quem tem um olho é rei. Acrescentarei eu agora que «em terra de zarolhos quem tem os olhos sãos ‘está feito ao bife’» (como diriam os meus netos…). Vou ouvindo dia após dia a crónica e os comentários relativos ao assalto à bolsa dos cidadãos  contribuintes e não deixo de me espantar (eu pecador me confesso) com as banalidades e platitudes da quase totalidade dos nossos comentadores… Portugal tinha e tem (desde há muitas décadas) um probema grave de «divida privada externa» (o famigerado desequilíbrio» das contas externas… Ou «importar mais do que aquilo que se exporta»…)  E vai daí, vamos lá a misturar alhos com bugalhos e vai que surge uma dívida pública que, em meia dúzia de anos, salta de 60% do PIB para 120%... Mas então a redução das «gorduras» do Estado é que vai reequilibrar as contas externas?... E ninguém pergunta de onde vem o dinheiro que os «mercados» têm para nos emprestar?... Como é?.... Esses «mercados» têm uma fábrica de dinheiro?... Se assim não é, onde é que o foram buscar???... 

Mas será que ninguém se dá conta da redução (para mais de metade!…) dos impostos (tipo IRC e IRS) que os Estados costumavam cobrar para cobrir as suas despesas de funcionamento corrente?... 

E alguns «analistas» ainda têm  a supina lata de dizer que «os impostos estão muito elevados»… Mas quais impostos?... E depois só falam do «aumento das despesas» (que é preciso cortar, dizem eles...) e ninguém fala (ou confronta os ministros das finanças) sobre a redução das receitas ao longo das últimas três décadas?... 

«Paraísos» fiscais?!... «offshores» ?!... 

Tudo isso não passa de poeira nos olhos do pessoal que paga impostos… Assim a modos que para entreter o pagode com umas «teorias da conspiração» ou filmes pseudo policiais onde há uns sujeitos «bons» e outros «maus»… 

Parece que ainda não perceberam que o planeta inteiro é hoje um «paraíso» fiscal para as grandes empresas e fortunas pessoais que se possam permitir de pagar uns 2 ou 3% a advogados, bancos e «refúgios fiscais», em vez de pagarem os 35% a 45% de IRC (ou IRS) que pagavam há uns trinta anos atrás… 

Por outro lado, os famigerados «Programas de Ajustamento Estrutural» (versão anterior dos actuais «Programas de Estabilidade e Crescimento») impostos pelo Consenso de Washington (versão anterior – e de âmbito alargado a todo o mundo  - da nossa conhecida «Troika») nunca resultaram, em parte alguma do planeta. Não há um só país em todo o mundo onde tenham sido aplicados aqueles PAE’s (desde há uns trinta anos atrás) que se possa apontar e dizer «resultou»… Não há um só. A emergência da China (uma economia gigantesca dirigida pelo Estado… ) como potência económica de dimensão mundial que, por via das suas importações de matérias-primas, foi aquilo que reanimou aquelas economias nacionais arruinadas pela crise sistémica do capitalismo e entretanto «saneadas» (reajustadas… diziam eles) pelos famigerados «programas de ajustamento estrutural»…  

Aqui há uns três anos atrás o «Financial Times» publicava um pequeno artigo intitulado «Dívida, o pequeno e sujo segredo do capitalismo»… Segundo o autor daquele artigo, a expansão do crédito para possibilitar o consumo das famílias seria aquilo que tinha impedido – até agora – uma «explosão social». Dizia o insuspeito «Financial Times» aqui há uns três anos atrás… Perante este cenário aquilo que seria razoável esperar da parte de pessoas – supostamente entendidas em coisa de Economia (e sobretudo com um mínimo de conhecimento da História dos últimos dois séculos…) - seria uma pergunta básica do estilo  «será que a nossa teoria económica está errada» ?...   

Mas não. Os nossos «economistas convencionais» - acompanhados por tudo quanto é gestores, executivos e comentadores de serviço – insistem em procurar uma resposta plausível para a pergunta errada… E perante uma situação de crise despoletada (no curto prazo..) por uma crise de dívida (o crédito mal parado das hipotecas «subprime») vamos lá a endividar-nos (aceitando empréstimos leoninos) para resolver o problema da divida… É assim como querer apagar um fogo deitando-lhe gasolina… E há uns comentadores que – muito energicamente - insistem na necessidade de reclamar (ou mesmo exigir) uma «redução dos juros» ou também um «alargamento do prazo de pagamento»… Ou seja, em vez gasolina super de 98 octanas, apagar o fogo com gasolina normal de 95 octanas… Melhor ainda seria «gasolina verde»… Talvez a dívida ficasse mais sustentável… E depois dizem que «se não fosse assim (aceitarmos a dívida – nestas ou noutras condições) não vinha a próxima tranche do mpréstimo»… Mas imaginam eles que virá aí algum camião carregado de notas de 100 euros?… E que tal mandá-los – aos credores - receber a dívida «ao Totta» ?... Pode ser que assim talvez se sentissem obrigados a explicar a tal «dívida»... Na volta ainda tinham muito que devolver.

Ou está tudo doido ou sou eu que estou zarolho…


segunda-feira, 23 de julho de 2012

Parabéns (e OBRIGADO...) a Eugénio Rosa

Não tenho a honra de conhecer pessoalmente o novo doutor em ciências económicas, Eugénio Rosa. Uma mão amiga tem-me feito chegar regularmente os seus detalhados e minuciosos estudos sobre a realidade económica portuguesa. Porque tenho feito bastante uso desses estudos, também eu tenho para com Eugénio Rosa uma dívida de gratidão. Tinha na minha agenda ir assistir às provas públicas de doutoramento no ISEG. Só um impedimento familiar de última hora me não deixou estar presente na  cerimónia das suas provas públicas.
Assim, desta forma simples e despretenciosa, quero deixar registado os meus parabéns pelo novo grau académico e o meu reconhecimento pelo trabalho até agora feito por Eugénio Rosa. 
Agradeço a qualquer visitante deste blogue que conheça pessoalmente o doutor Eugénio Rosa que lhe faça chegar esta mensagem. Obrigado!

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Com papas e bolos...

Este pessoal que nos «governa» («paus mandados» do sistema...) é menos cretino do que possa parecer. Comecemos com a história da inconstitucionalidade do roubo das 13ª e 14ª mensalidades contratadas com os funcionários públicos, assim como o roubo das 13ª e 14ª mensalidades entregues pelos reformados ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social. Antigamente, quem se pagava por suas próprias mãos (foi o que mandou fazer o sr. ministro das finanças...) era preso. 
Aparentemente, e de um ponto de vista do cumprimento das leis, perante a situação «gravosa», «catastrófica», de «iminente desastre nacional» (e outras tretas do estilo), se eles fossem competentes como governantes da «res publica deles», então faziam o trabalho de casa e decretavam uma nova tabela (ou novos escalões) de IRS, aumentando significativamente e de modo equivalente as receitas do Estado para compor o ramalhete do Orçamento (julgariam eles no seu raciocínio linear...).  
Mas não. 
Aparentemente, estavam com pressa (era uma emergência nacional!!!...) e serviram-se do dinheiro que estava «mais à mão»: o dinheiro dos funcionários públicos, dos pensionistas do Estado e dos reformados da Segurança Social.
Na verdade, ao tomarem esta medida, mostraram-se maquiavélicos quanto baste (também não exageremos nesses méritos de inteligência e perspicácia sobre estratégia política...).
De uma assentada desacreditaram a Segurança Social pública (não mexendo nos fundos de pensões privados - mas privados mesmo...) transmitindo a mensagem (até nem muito subliminar) de que «afinal não se pode confiar no Estado», «eles é que tinham razão, devia era ter posto os meus descontos num fundo de pensões privado»...
E, na mesma assentada, procuraram também aprofundar a já iniciada «campanha divisionista entre o "sector público" e o "sector privado"» tanto do seu gosto.
E agora, para porem a cereja no cimo do bolo (das tais papas e bolos com que vão enganando os tolos) vem toda uma legião de comentadores (muitos deles "papagaios e cassandras" de que falo noutro contexto...) falar da falta de equidade, das diferenças entre o «público» e o «privado» e de como seria injusto obrigar o «privado» a pagar ainda mais a crise que (pelos vistos...) foi causada pelo despesismo do Estado. 
E só falam disso!!!
São ou não são espertos ?...
Tudo isto para só falarem do lado da «Despesa», quando o Orçamento do Estado tem necessariamente duas componentes: a Despesa e a Receita.
E como (dizem eles...) «já não se pode aumentar mais os impostos» (excepto o IVA, já que esse acaba por ser pago pela esmagadora maioria da população...), a única saída é «cortar nas despesas com o pessoal».
No meio de todo este barulho mediático, e com excepção dos partidos de Esquerda, ninguém parece lembrar-se de «tributar o Capital»...
Ainda gostava de ver uma polémica interessante (do tipo «Prós e Contras») em que aparecessem uns senhores economistas convencionais (tal como o nosso primeiro?...) a explicar que o Capital tem uma grande (enorme...) mobilidade transfronteiriça e que portanto não se pode tributar em demasia, se não «ele foge»... Talvez alguém se lembrasse de falar de uma taxa Tobin (para quem não sabe não consta que este senhor fosse suspeito de simpatias com o Socialismo...) e de assim penalizar (tornar mais caras...) as entradas e saídas de capitais de cada país, ao sabor das conveniências dos patrões das agências de notação e outros que tais...

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Para uma espécie de crónica da «espuma dos dias»


A PROPÓSITO DE DIVERSOS MANIFESTOS, VÁRIOS E DISPERSOS...
Confesso que cada vez tenho menos pachorra para ver televisão, ouvir rádio e ler jornais portugueses. Mesmo assim sempre vou vendo ou ouvindo um ou outro dos programas ditos de «debate político» e, por via das «redes sociais» e da leitura de órgãos de imprensa internacional disponíveis na «Teia», sempre me vou mantendo informado QB, sobre o que se passa neste mundo cada vez mais baralhado. 
Seja como for, mesmo com essa menor atenção à imprensa local, vou ficando com a ingrata sensação de uma espécie de «conspiração do silêncio» relativamente à intervenção política de um dos mais importantes agentes políticos nacionais. Neste caso não será o «silêncio dos inocentes», bem antes pelo contrário. Como será fácil de adivinhar estou aqui a referir-me à quase não existência mediática do PCP.
Mesmo os comentadores que vão tendo tempo de antena e que se reclamam da «esquerda» ou que se afirmam «progressistas» e «abertos de espírito», mesmo esses vão fazendo os seus comentários e debates sobre a situação política em Portugal (e a oposição e protesto que se vai fazendo ouvir) como se o PCP não existisse. Devo esclarecer  que não sendo militante, sou simpatizante, «companheiro de combate» ou «amigo de longa data». De muito longa data… Simpatia essa que já me custou alguns e muito significativos «amargos de boca - mas isso já são outros contos.
Vem tudo isto a propósito de diversos manifestos e convocações que têm vindo a lume nos últimos tempos (muito naturalmente em resultado do agravar da situação social e económica que vai afectando camadas cada vez mais alargadas da população), todos eles – esses manifestos e convocatórias - subscritos por diversas e legitimamente ilustres personalidades da vida pública portuguesa, pessoas com responsabilidades cívicas e de credibilidade  firmada e apelando à «unidade da esquerda» ou ao «espírito cívico de todos os patriotas» ou apelando também ao «sentido de responsabilidade» das forças representativas da democracia e do progresso (para o caso são tudo expressões de minha lavra mas que julgo reflectirem o sentido geral daqueles apelos).  
Subjacente  a quase todos esses apelos parece estar também a ideia de que «o PCP faz falta»…  Até na medida que se reconhece a este partido um papel crucial na movimentação e mobilização das pessoas. E no entanto, em paralelo com este sentimento de que «o PCP faz falta», parece também pairar no ar – entre as pessoas que fazem os referidos apelos - a ideia de que o PCP sofreria de  uma espécie de «esquizofrenia sectária»  
Não sei porquê (mesmo socorrendo-me de alguns conhecimentos de sociologia), fico antes com a ideia de que haverá aqui algum desconhecimento das regras elementares de uma espécie de protocolo institucional não escrito (muitas vezes as regras mais poderosas são aquelas que estão apenas implícitas… Alguns antropólogos falam aí de «silêncios sociais»…. Em linguagem chã dir-se-ia «coisas de que não se fala à mesa»)…
 Acontece que, para além de ser um partido político (com uma história relevante na resistência ao fascismo e na luta pela democracia) o PCP é também uma instituição. E uma das regras desse protocolo institucional a que os militantes e dirigentes do PCP julgo serem particularmente sensíveis, é justamente a do espírito colectivo, com todas as consequências que daí derivam.
Na empresa multinacional onde trabalhei durante quase 30 anos também era assim: em linguagem chã «vestir a camisola». Houve mesmo um «best-seller» que comparava a IBM com o PC da URSS...
Tudo isto para dizer que de acordo com o tal «protocolo institucional», se as muitas personalidades independentes querem a participação do PCP numa espécie de «Frente Progressista, Republicana e Socialista»,  então a melhor estratégia – penso eu, numa de sociólogo – será mesmo a abordagem directa e formal QB com os órgãos directivos do PCP… Não faz muito sentido andar a tentar recrutar apoios em personalidades individuais sem antes ter assegurado a participação de uma força com o peso do PCP e que, ainda por cima, se presume «fazer falta à oposição» a esta autêntica contra-revolução neoliberal que, com «papas e bolos» nos vai prometendo uma espécie de «fascismo sem dor»….
Constitui-se uma espécie de comissão adhoc de democratas e socialistas (gente progressista com créditos firmados…) e conversam com os dirigentes institucionais do Partido. No actual contexto de «necessidade de Resistência» , não seria muito mais eficaz (e até mais simples) do que uma estratégia muito em estilo  «todos ao molho e fé em Deus»  ?
Nisso, embora continue a não me ver como uma «personalidade com créditos firmados» sou pessoa para alinhar.

sábado, 16 de junho de 2012

Ainda (teimosia ou persistência minha...) a taxa de lucro

Considerando que o lucro é o grande incentivo do investimento (e da criação de emprego, dizem eles...) esta coisa do comportamento da taxa de lucro deveria ser mais discutida pelos meios de comunicação.
Mas infelizmente parece que é tema demasiado árido para ser debatido nos grandes meios de comunicação... O futebol ou os dislates de alguns políticos atraem muito mais atenção. Hoje ocorreu-me «discorrer» um pouco sobre o tema.
Aqui vai.

A expressão «queda tendencial da taxa de lucro» (ou a sua equivalente «tendência decrescente da taxa de lucro») contem as sementes de um grande (enorme...) mal entendido histórico. Estou a referir-me ao facto de que uma tal expressão parece sugerir que a taxa de lucro é algo que tenderá sempre a cair, descer ou diminuir. Um exemplo desse mal entendido será o caso do chamado «Teorema de Okishio».
Em termos muito simplistas, este teorema demonstra que – ao contrário do que era suposto ter afirnado Karl Marx – sempre que haja a introdução de uma nova técnica de produção, a consequência para o sistema será antes uma subida tendencial da taxa de lucro.
Ou seja, enquanto que Marx teria afirmado que, com o progresso tecnológico, havia no sistema uma tendência para a queda da taxa de lucro, Okishio viria a demonstrar em 1961 que (antes pelo contrário) o que haveria no sistema será uma tendência para a subida da taxa de lucro. Foram muitos os marxistas que pura e simplesmente abandonaram a questão e passaram a dizer que afinal a queda tendencial da taxa de lucro seria apenas uma hipótese potencial, lembrando as várias contra tendências já assinaladas por Marx.
A ideia de pensar dialécticamente e de abordar o problema a partir da totalidade do sistema parece não ter ocorrido a esses marxistas ou aos seus contraditores.
Neste contexto, pensar dialécticamente quer dizer «considerar que um fenómeno emergente – para o caso, a taxa de lucro – pode comportar-se de determinada maneira numa fase da sua evolução e que pode depois numa outra fase dessa mesma evolução comportar-se de modo distinto e oposto».
Por outras palavras, o que é verdade hoje pode não ser verdade amanhã...
Neste contexto, em vez de «lei da queda tendencial da taxa de lucro» (ou do seu oposto) seria talvez mais adequado falar antes de «lei da oscilação recorrente da taxa de lucro». Ou seja, numas fases da evolução do sistema a taxa de lucro tem tendência para subir, noutras fases (e em resultado da lógica do sistema) a taxa de lucro tem antes tendência para descer.
É com isso que me dá agora para andar mais entretido... 

quarta-feira, 30 de maio de 2012

A metáfora do geógrafo imaginário…


Dizia Gunder Frank que não comparava as previsões dos economistas com as previsões da  astrologia porque isso seria um insulto para com os astrólogos.
Nestas coisas da análise e previsão económica, de facto, o caracter científico da «ciência» económica deixa muito a desejar. Mas também não exageremos, a maior parte dos economistas convencionais até são profissionais razoavelmente competentes e alguns até muito, mesmo muito, competentes. O problema é estarem no paradigma errado. Ou, se quisermos, no patamar errado de observação, a partir do qual acabam sempre por ter uma visão distorcida dos fenómenos económicos.
Imagine o leitor destas linhas um eminente geógrafo que soubesse tudo e mais alguma coisa sobre montanhas, colinas, vales e desfiladeiros, tudo sobre  rios e seus afluentes, lagos  lagunas, baías, golfos e enseadas.
E mais. Que soubesse também tudo sobre correntes marítimas, marés, ventos predominantes, relativa regularidade das chuvas e consequente erosão das montanhas e das costas marítimas. . Para esse nosso geógrafo imaginário, os vulcões seriam apenas montanhas de um tipo especial e que funcionavam como tubos de escape para o calor de um mal imaginado ou pouco adivinhado «centro da Terra».  Mais ainda; que soubesse e explicasse muito bem as práticas humanas de assentamentos e ocupação dos territórios, as cidades e as vilas, as estradas e os caminhos secundários, sobre o porquê da localização dos portos marítimos e fluviais assim como de vias férreas e aeroportos.
Mas agora imaginem também que esse nosso geógrafo pura e simplesmente nunca (mas nunca) tinha estudado geologia
Não fazia parte do curriculum e era mesmo matéria desconhecida. Nada se sabia sobre o que está por debaixo da superfície terrestre, mais ou menos visível. Assim sendo o nosso geógrafo imaginário nada poderia saber sobre placas tectónicas e deriva dos continentes.
Em consequência desse desconhecimento, quando acontecesse, como de vez em quando acontece, que uma das placas tectónicas se roçasse por uma outra placa tectónica e assim desse origem a um tremor de terra, o nosso geógrafo imaginário ficava logo «às aranhas» e sem ser capaz de explicar o fenómeno.
Pois é. Os nossos economistas convencionais – e com eles os nossos dirigentes políticos -  estão mais ou menos numa posição semelhante. Falta-lhes quase sempre a perspectiva  da continuada evolução histórica da sociedade capitalista e dos fenómenos que decorrem da lógica da sua dinâmica evolutiva. 

terça-feira, 29 de maio de 2012

O Regresso dos Capitais Financeiros

Vem hoje no Expresso «online» que
«Em pouco mais de dois anos, os investimentos portugueses em paraísos fiscais tiveram uma quebra drástica. As estatísticas do investimento de carteira divulgadas esta semana pelo Banco de Portugal revelam que entre janeiro de 2010 e março deste ano regressaram a casa 6,8 mil milhões de euros. Uma verba que representa quase metade do dinheiro investido nestas regiões deste 1996, ano em que começam os dados do Banco de Portugal» (João Silvestre, jornalista).
A coisa é intrigante...
Primeiro, aqueles capitais, saíram daqui - o que contribuiu (e muito) para a crise da dívida, ao «descapitalizar a «nossa» banca - e agora que que a crise está instalada e que estão cada vez mais elevados os juros a que o Estado se vai financiando, os mesmos ditos cujos capitais estão de volta...
Dá-se um rebuçado a quem adivinhar onde é que aqueles capitais financeiros estão a ser aplicados.
Não há pachorra.. E o zé povinho, na sua modorra, nem se vai dando conta do autêntico «golpe do baú» que é esta estória da crise da dívida, pois que é para «pagar esta dívida» («eles emprestaram, não emprestaram»?...) que nos roubaram a 13ª e 14ª mensalidades que nós lhes tínhamos confiado. 
Foi assim com a Argentina há mais de dez anos, já tinha sido assim com todas as outras crises de dívida soberana:
Os capitais saem, a banca de cada país fica com muito menos fundos, o Estado tem que se financiar «lá fora» e depois os mesmos capitais regressam para «financiar a dívida» que eles mesmos provocaram.
Não se adivinha porque razão havia de ser diferente com os patrióticos dos nossos capitalistas...


terça-feira, 24 de abril de 2012

Ainda a Queda Tendencial da Taxa de Lucro... ALGUNS ESCLARECIMENTOS

Ou «o seu a seu dono»
A história da tendência decrescente da taxa de lucro é uma história que já vem de muito longe...
Já Adam Smith assinalava:
«Com o tempo, o estoque acumulado de capital torna-se então tão grande que deixa de poder ser aplicado com o lucro antigo nessa espécie de indústria que lhe é peculiar. Essa indústria tem os seus limites com todas as outras; e o aumento do estoque, ao aumentar a concorrência, necessariamente reduz o lucro.
Em «The Wealth of Nations».
Muito mais recentemente, um outro autor (herdeiro ideológico de Malthus e insuspeito de quaisquer tendências «marxistas» (John Maynard Keynes, para ser mais preciso), escrevia estas coisas (a propósito da taxa de lucro):
«Mas pior ainda. Não só a propensão marginal para o consumo é mais fraca numa comunidade rica, mas, devido ao facto de a sua acumulação de capital ser já maior,as oportunidades de mais investimento são menos atraentes a menos que a taxa de juro desça a um ritmo suficientemente rápido;»
Página 31 do «The General Theory»
assim como
«Torna-se então óbvio que a actual taxa de investimento será aumentada até ao ponto em que já não haja qualquer espécie de activos cuja eficiência marginal exceda a actual taxa de juro. Por outras palavras, a taxa de investimento será aumentada até ao ponto na curva de procura de investimento em que a eficiência marginal do capital em geral é igual à taxa de juro no mercado»
Capítulo 11 do «The General Theory»
Só que se trata de explicações «superficiais» (no sentido de apenas considerarem a superfície fenomenológica visível...).
Foi Karl Marx quem de facto avançou com uma explicação coerente, abrangente e conclusiva.
Mesmo assim tem havido MUITA polémica a esse respeito.
Entretanto - «o seu a seu dono» - o exercício que é aqui proposto (ver mensagem anterior) é apenas um desenvolvimento teórico elaborado a partir de um exercício apresentado (mas não concluído) pelo falecideo Prof. Ronald Meek, da Universidade de Leicester, num ensaio intitulado «The Falling Tendency of the Rate of Profit», incluído no livro «Economics, Ideology and Other Essays».
Para ter concluído aquele exercício seria necessário (penso eu...) usar técnicas de programação que não estavam ainda desenvolvidas na altura em que o Prof. Ronald Meek apresentou o seu esboço de exercício.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Sobre a Queda Tendencial da Taxa de Lucro

Uma breve explicação para quem não esteja familiarizado com esta história... A lei da queda tendencial da taxa de lucro procura explicar a lógica intrínseca do sistema capitalista e o seu desenvolvimento histórico aos solavancos, oscilando entre períodos de expansão e períodos de estagnação relativa ou mesmo absoluta, senão mesmo retrocesso. Trata-se, em todo o caso, de uma lei polémica, no sentido em que (ao longo das décadas) tem sido alvo de controvérsias e distintas interpretações. Esta lei manifesta-se na contradição inerente aos processos de acumulação, evolução tecnológica (espevitada pelo lucro) e consequente acréscimos de produtividade e possibilidades de emprego da força-de-trabalho disponível. Por outro lado, esta lei da queda tendencial da taxa de lucro manifesta-se ao nível mais profundo da realidade económica, o nível dos valores, o qual por sua vez se manifesta de modo visível sob a forma de preços de mercado. Para usar uma metáfora, o nível dos valores será a camada geológica sobre a qual assenta a geografia dos preços. Nesse sentido, os «tremores de terra» ao nível dos valores, acabam sempre por se vir a reflectir em crises ou fenómenos visíveis ao nível dos preços, tais como sobre produção de bens e serviços, escassez de poder de compra, manipulação de dinheiro, inflação, desemprego; sendo que estes fenómenos variam de país para país, quer de acordo com a sua geografia, quer de acordo com as respectivas instituições. Ao nível «geológico» dos valores, temos então a considerar o jogo de relações entre o capital constante (aquele que corresponde a trabalho armazenado vindo de ciclos anteriores – máquinas, materiais, edifícios e outras estruturas...) e o capital variável (aquele que corresponde ao pagamento dos bens e serviços necessários à reprodução do factor «força-de-trabalho»), sendo que a soma do capital constante e do capital variável vem a ser o capital total investido (quer ao nível de uma empresa, de um sector de actividade ou do sistema económico como um todo). Tudo isso medido em termos de «horas médias de trabalho socialmente necessário» (para reproduzir o que quer que seja, «a partir do zero»). Da relação entre o capital constante e o capital variável vem a resultar o conceito de «composição orgânica do capital». Entretanto, durante o processo de produtivo, o capital variável (a força-de-trabalho...) acrescenta valor. Esse valor que tenha sido acrescentado é a única e exclusiva fonte do lucro global em termos de valores (o «nível geológico») sendo também de onde hão-se sair impostos, rendas, juros (no nível «geográfico» e institucional...). A taxa de lucro «bruto» e ao nível «geológico» acima referido, será então expressa por uma fracção em que o numerador é o valor acrescido em cada ciclo anual e o denominador é a soma do capital constante mais o capital variável. Por meio de uma elementar manipulação matemática (dividir ambos os termos da fracção pelo montante do capital variável) obtém-se então uma equação algo mais complexa em que a taxa de lucro é igual à taxa do valor acrescido a dividir pelo soma da composição orgânica do capital mais um. Neste modelo rudimentar aquilo que se propõe é apenas o seguinte: - O sistema está permanentemente sujeito a um processo de acumulação a qual é feita segundo uma determinada taxa, aqui designada por «Flow Back Rate» (ou taxa de refluxo). - Essa taxa de refluxo tem impacto sobre a constituição (e a produtividade) do capital constante e do capital variável. Daí vêem a resultar alterações nas proporções de capital constante e de capital variável para cada ciclo (ou iteração) do modelo. Nesta fase de elaboração do modelo, assumem-se como constantes o número de horas de trabalho assim como a «taxa de valor acrescido» (também conhecida como «taxa de exploração»). Aquilo que o experimentador pode «avaliar» é o impacto de uma maior ou menor taxa de refluxo e respectivos impactos nas proporções de capital constante e capital variável. Como se pode verificar, dependendo do número de iterações, a taxa de lucro começa sempre por subir mas acaba sempre por estagnar e descer. Para uma rudimentar demonstração veja AQUI

sexta-feira, 16 de março de 2012

A chamada crise da dívida e como dar a volta por cima - 1

Todos os dias somos bombardeados com notícias sobre a «crise da dívida» e estamos, apesar de país soberano, cada vez mais sujeitos à governação imposta a partir de instâncias internacionais para as quais não damos «nem prego nem estopa». Alguns dirão que não é bem assim, que os portugueses votam para as instituições europeias (o «Parlamento»...) e que Portugal participa na gestão do FMI. A realidade nua e crua é que quem nos está a governar, por interposta pessoa de uns tantos dirigentes políticos escolhidos por uma minoria mais ativa de máquinas partidárias, são quadros técnicos e dirigentes administrativos a mando das grandes instituições financeiras do planeta: os «mercados» como eles dizem e, em particular, os seus «juízes» e «árbitros» sob o seu controle direto e sem disfarces: as famigeradas «agências de notação». Assim sendo é tudo um questão de «ganhar de novo a confiança dos mercados». Não se lhes ocorre, nem aos meios de comunicação «atentos e reverentes quanto baste», tentar inquirir (e explicar, sobretudo explicar...) o como chegámos de facto a esta situação. Quando nos vêem com a estória de que o Estado Social «europeu» tem sido «demasiado dispendioso» e que temos estado a viver «acima das nossas possibilidades», estão a passar alegremente de lado em relação ao facto de que quando as grandes empresas e as grandes fortunas pagavam impostos a sério, as coisas corriam muito melhor para o sistema como um todo. Esquecem sempre de dizer que, em cerca de trinta anos, as taxas de impostos tipo IRC desceram em todo o mundo industrializado para pouco mais de metade do que eram nos gloriosos anos Cinquenta e Sessenta da grande expansão e otimismo generalizados... Esquecem também de nos lembrar que nesses gloriosos anos de expansão e otimismo a taxa marginal dos impostos tipo IRS rondava os 80% nos países mais desenvolvidos e progressistas do mundo. Hoje essa taxa marginal está nos 45%... Esquecem também de dizer que nesses tempos do keynesianismo ainda triunfante, as movimentações de capitais a nível transfronteiriço eram regulamentadas e razoavelmente controladas. Para um qualquer ricaço fugir aos impostos ou lavar dinheiro mais ou menos sujo, tinha mesmo que recorrer a truques de filmes de espionagem (do estilo «mala cheia de notas de 100 ou 500 dólares» às escondidas ou então com o dinheiro escondido nos pneus de automóveis ou camiões). Ainda há disso, mas hoje os grandes volumes de «fuga de capitais» faz-se utilizando meios e instrumentos técnico-administrativos perfeitamente legais e ao dispor de qualquer milionário. Aquilo que não nos explicam resume-se a «isto»: sempre que os donos do capital financeiro sentem que um país está exposto ou fragilizado, atacam, retirando de lá os capitais que puderem. Esses capitais vão para refúgios fiscais à espera de oportunidade. Quando os capitais saem, a banca nacionalizada fica relativamente fragilizada, ou seja, menos apta a financiar a economia nacional, em particular as PMEs. Isso obriga a banca nacional, assim como algumas grandes empresas, a terem que se financiar no exterior. No caso Português (assim como de outros países europeus) essa solução tem acabado por resultar na necessidade de o Estado se endividar direta ou indiretamente (através de avales) de modo a garantir que entre de novo no país capital financeiro que compense a saída (por vezes ilegal) dos capitais «em fuga». Foi assim na Argentina, tem sido assim na Grécia e vai sendo assim em Portugal. É um filme antigo. A «nossa» crise da dívida não é mais do que o efeito ao retardador de uma onda tectónica iniciada já há uns trinta anos atrás em países ainda mais fragilizados do que Portugal ou a Grécia. Foi para isso, para «resolver» as crises da dívida que eles inventaram o Clube de Paris e o Clube de Londres. O leitor mais curioso procure na rede www e encontra lá os detalhes todos e mais alguns. Entretanto, essa coisa de «emprestar dinheiro a um país» (comprando «obrigações do tesouro») converteu-se numa excelente oportunidade de negócio para todos os capitais financeiros em busca de aplicações, incluindo-se aí fundos de pensões, fundos de investimento privados e fundos soberanos. Chegados aqui a questão que naturalmente se levanta é de como sair desta «ratoeira da dívida»... Espero ter tempo e pachorra para voltar ao tem.

quinta-feira, 15 de março de 2012

A Dinâmica (recente) do Capitalismo Esqueleto Analítico em 20 parágrafos


1. O sistema capitalista precisa de estar sempre a crescer e a acumular, sempre em busca de novos mercados e em expansão.
2. O lucro é aquilo que funciona como motor e «cenoura» da dinâmica do sistema. Por outro lado, aquilo que funciona como acelerador (ou ainda como travão e caixa de velocidades) do sistema é a taxa de lucro...
3. Acontece também (facto historicamente comprovado) que não há um condutor ou coordenador da dinâmica global sistémica e que a taxa de lucro sobe, estagna e desce.
4. Entretanto… à escala do sistema global, o lucro da actividade empresarial produtiva é suposto repartir-se entre Rendas (a pagar aos «senhorios» ou proprietários do espaço físico), Juros (a pagar aos Bancos ou depositários e controladores do capital financeiro) e Impostos a pagar ao Estado (ou entidade responsável pela administração da «coisa pública», sem a qual não há sistema que funcione.
5. Quando a taxa de lucro estagna e começa a descer, reduz-se o grau de atracção de novos investimentos e é preciso encontrar saídas para o valor excedente potencial dando origem à sua conversão em excedentes financeiros.
6. Ainda quando a taxa de lucro começa a descer, e para manter incólume (ou se possível aumentar) a massa dos lucros, os agentes do Capital procuram naturalmente reduzir as transferências para os «senhorios», para os bancos e para o Estado…
7. Como os agentes do Capital se combinam facilmente com os «senhorios» e com os «bancos», os «custos» dessa redução acabam sempre por sobrar para a Res Pública...
8. Daí veio a resultar uma exigência de redução nas taxas dos impostos tipo IRC (aplicáveis às empresas) e de tipo IRS (aplicáveis aos donos e agentes do Capital), tendo daí vindo a resultar uma natural concorrência fiscal entre os Estados.
9. Entretanto… Os agentes e donos do Capital procuraram e conseguiram a manipulação das normas de contabilidade empresarial internacional de modo a poderem deixar de declarar em cada Estado o valor real das suas actividades aí localizadas.
10. Procuraram e conseguiram também a flexibilização dos padrões e enquadramento legal da praxis de auditoria empresarial, de modo a que fossem relaxadas as penalidades por erros (mal ou bem intencionados) nas auditorias às contas das grandes empresas multinacionais.
11. Os donos e agentes do capital financeiro procuraram e conseguiram a liberalização (desregulada) dos movimentos de capitais financeiros, de que o «bigger bang» da explosão dos «Euromarkets» é o mais claro exemplo.
12. Entretanto… Da continuada evolução científica e tecnológica têm vindo a resultar continuados ganhos de produtividade dos quais também vêem a resultar «compressão dos salários» e «desemprego sistémico»... Logo, uma redução do poder de compra agregado e à escala global do sistema...
13. Se a lógica intrínseca do sistema conduz a uma redução do poder de compra agregado (de modo desproporcionado para o volume de bens e serviços que vão sendo produzidos) há que facilitar o acesso ao crédito.
14. Dessa necessidade de facilitação de acesso ao crédito veio a resultar uma dupla bifurcação nas taxas de juro (o preço do dinheiro). Por um lado, tivemos (e temos) a redução sistémica das taxas de juro dos bancos centrais para encorajar o investimento por parte das empresas (como se elas disso precisassem ou fosse esse – o supostamente elevado «custo do dinheiro» - aquilo de impede ou desencoraja o investimento. Por outro lado tivemos e temos uma «orgia» do crédito ao consumo, fácil mas caro.
15. Para essa «orgia» do crédito ao consumo foi necessária a abolição das «Leis da Usura» (leis essas que vigoravam, desde tempos imemoriais, na prática socialmente aceite em todos os povos, e transcrita nas leis de muitos Estados); algo que foi conseguido através da permissão de taxas de juro sem limitações ou controle por parte das autoridades de regulação. Verificou-se assim um aumento exponencial do consumo a crédito e da dívida privada.
16. Entretanto, da redução das taxas de impostos referidas mais atrás, veio naturalmente a resultar um aumento do défice público e consequente aumento da dívida pública.
17. Na medida em que «com uma corda não se empurra uma carroça», tem-se vindo também a verificar uma inoperância da redução das taxas de juro para o investimento, em conseguir reanimar a economia e pô-la de novo a crescer.
18. No caso específico da zona Euro, a «Banca» tem-se aproveitado das taxas reduzidas do BCE para se enriquecer através do «financiamento» da dívida pública dos países mais afectados.
19. Das crises de dívida pública tem resultado um aumento da «fuga de capitais» em busca de refúgio fiscal, sendo que uma parte desses capitais (até então «parados») acaba por reentrar nos países em crise de dívida sob a forma de compra de «títulos do tesouro».
20. Como nada disso reanima a economia real, daí tem resultado uma espiral recessiva e consequente propensão para a instabilidade, o caos e a guerra...

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

A Propósito do sistema mundial «offshore»



Em jeito de Prólogo

(para um eventual livrinho sobre o tema...)


Maurits Escher é talvez o artista que melhor nos oferece muitas representações gráficas do modo de pensar dialéticamente. Aquilo de que se trata aqui é também uma tentativa de perspectivar um determinado fenómeno, em permanente evolução e com múltiplas facetas, caracterísitico da sociedade humana em determinada fase da sua evolução histórica, e olhando esse fenómeno a partir de um determinado «ponto de observação»: o de alguém que procura entender o mundo e os porquês da emergência de determinadas caraterísticas e funções nos mecanismos e forças em presença. Nessa tentativa de perspectivar o sistema mundial de refúgios fiscais, adopta-se assim o ponto de vista de quem sofre os efeitos desse sistema mundial de refúgios fiscais, mas que procura adotar a posição teórica do analista distanciado. Assim sendo, ao olharmos para esse sistema mundial de refúgios fiscais estamos também a tentar vê-lo como uma faceta particular de um fenómeno mais abrangente, o qual seja, o comportamento recente do sistema capitalista.
Justifica-se este esclarecimento preliminar na medida em que se podem encontrar múltiplas explicações e narrativas sobre o fenómeno, velho já de alguns séculos, mas que sobfreu recentemente (de há umas três décadas a esta parte) um crescimento verdadeiramente exponencial.
Algumas dessas narrativas e explicações justificam e defendem e existência de refúgios fiscais, mesmo levando em linha de conta alguns efeitos preversos. Outras narrativas e explicações concentram a sua atenção em determinadas caraterísticas recentes deste fenómeno de «fuga aos impostos», sem com isso entrarem nas causas mais profundas da (relativamente) súbita «explosão» do fenómeno «refúgios fiscais».
É nesse contexto que é importantíssimo olhar estas coisas de um ponto de vista em que se adopte o modo de pensar dialéticamente: quer em termos de transição continuada entre determinadas condições de existência sem que determinado fenómeno perca a sua identidade específica (o adolescente já não é a criança mas ainda não é o adulto...), quer em termos da diversidade de pontos de vista possíveis sobre um mesmo fenómeno. Quero com isto dizer que das múltiplas e diversificadas narrativas e explicações que se podem encontrar na literatura sobre os refúgios fiscais, sempre é possível aproveitar alguma coisa de útil para uma compreensão global e mais abrangente do fenómeno.
Tem-se desenrolado ao longo dos séculos um conflito latente entre dois tipos de agentes ou atores sociais que poderiamos aqui designar por «empresas» e «Estados». Outros poderão falar antes no recorrente conflito entre a «força da espada» e a «força do dinheiro». Claro que, para além do permanente e latente conflito, sempre houve entre estes dois tipos de agentes sociais, interpenetrações de pessoas concretas e de modos institucionais de actuar, conluios, alianças e compromissos vários1. Ao longo dos séculos tivemos as repúblicas italianas, constituídas a partir de coligações do poder económico, tivemos a Liga Hanseática ou ainda a primeira empresa privada multinacional, a Companhia Holandesa das Índias Orientais, a qual assumiu paulatinamente poderes soberanos sobre os territórios que decidiu administrar.
Com a emergência e consolidação do moderno Estado, com as características de soberania e respetiva exclusividade de determinados direitos e obrigações, que hoje se lhe atribuem, aquele conflito permanente entre a esfera privada do negócio mercantil e a esfera pública dos interesses da colectividade como um todo, assumiu novos contornos que se vêem a traduzir e resumir na sempre controversa problemática da cobrança e utilização de impostos...
Para conclusão deste prólogo devo chamar a atenção para o uso preferencial de «refúgio fiscal» em vez de «paraíso fiscal». Não é uma questão de pedantismo. Já foi sugerido que a expressão «paraíso fiscal» teria resultado de uma errada tradução da palavra inglesa «haven» (em vez de «heaven»). Enquanto que «haven» quer literalmente dizer «refúgio» (ou porto de abrigo), «heaven» quer de facto fizer «paraíso» (ou «céu»). Pois bem, enquanto que a expressão «paraíso fiscal» pode também transmitir a ideia de «algo de muito bom» e, de certa forma, inofensivo e «aberto a toda a gente» (em particular aos que lá vivem...), a expressão «refúgio fiscal» pode eventualmente alertar a cidadania mais responsável para o caracter ilícito da evasão e evitação fiscal. Aquilo não são paraísos, são refúgios (onde se escondem os dinheiros daqueles que não querem pagar impotsos e que nós, todos os outros, temos que compensar e substituir com o pagamento dos nossos impostos e a taxas cada vez mais elevadas...)

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

A Justiça e o Sistema Multibanco

Confesso que conheço mal os meandros da Justiça portuguesa. Já tive ocasião de entrar em vários tribunais, já fui testemunha e observador interessado em «meia-duzia» de processos e tive ocasião de observar, com alguma atenção, os procedimentos, mais ou menos arcaicos, que vão sendo adoptados. São do conhecimento geral expressões como «a Justiça não funciona», «estão sempre a prescrever processos importantes», «a Justiça é só para os que podem pagar»... etc. etc.
Embora tenha um percurso profissional numa área profundamente tecnológica, não penso ser um tecnocrata, no sentido de achar que «isto» não vai lá só (nem sobretudo) com soluções técnicas.
Vem isto a propósito de ontem ter tido ocasião de ouvir o dr. Marinho Pinto dizer na televisão que os procuradores do Ministério Público não têm acesso directo a bases de dados de entidades – se bem me lembro, posso estar enganado nos detalhes - como as Conservatórias Prediais ou das Repartições de Finanças.
E perguntei-me como tal era ainda possível, num país que se gaba, com toda a razão, de ter o sistema de transacções interbancárias (e não só...) mais avançado do mundo: o sistema multibanco.
Se temos em Portugal inteligência e conhecimento tecnológico para desenvolver, e manter a funcionar, um sistema como o sistema multibanco, como é que não somos capazes de montar e manter a funcionar um sistema informático que permita a qualquer agente do Ministério Público (ou a qualquer agente das autoridades públicas, devidamente autorizados) a aceder instantaneamente a toda e qualquer informação necessária e relevante para a investigação criminal, designadamente os crimes de colarinho branco.
E depois lembrei-me (esquecido que eu sou...) de que o sistema multibanco só foi possível por causa do «gonçalvismo»... Logo, uma solução eminentemente política.
De facto, os outros países também têm engenheiros informáticos e programadores de computadores de altíssima qualidade. Todos os bancos desses outros países têm também ATM's (caixas automáticos) em todas as esquinas... O que não têm é um sistema multibanco...
Repito: se somos capazes de ter um sistema com a sofisticação e capacidades do sistema multibanco porque raio de razão é que não somos capazes de ter um sistema informatizado que ligue todos os tribunais, de todo o país, com acesso (devidamente regularizado) por parte de todos os agentes da Justiça?!... A quem é que isso não interessa?...
Pelos vistos vai ser preciso um novo período de «gonçalvismo»...

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Para onde é que vai o dinheiro das «poupanças» deles?...

Aquilo que também se justifica fazer ou «Perguntar não ofende».
Quando se fala em economia do desenvolvimento e de crescimento económico, há uns senhores da teoria económica convencional que nos dizem ser razoável (e até bom) para o sistema que os ricos ganhem desproporcionalmente mais do que os pobres, na medida em que os ricos têm (dizem eles) uma maior propensão marginal para a poupança, enquanto que os pobres têm uma maior (ou mesmo muito maior) propensão marginal para o consumo; do estilo «pataca ganha, pataca gasta». Enquanto que os ricos tendo uma maior propensão (marginal) para a poupança (não gastam, em consumo, tudo aquilo que ganham) estariam naturalmente melhor colocados para fazer investimento. Coisa que é fundamental para o crescimento económico.
Tudo isto parece muito razoável, quase que do senso comum e, em determinadas circunstâncias históricas, até parece ter sido assim que a coisa funcionou.

O problema aqui, é a falta de perspetiva histórica e de pensar dialéticamente: as coisas em movimento, o permanente devir e transformação da sociedade... O que funcionou ontem pode não funcionar hoje...

Neste contexto e nas actuais circunstâncias históricas justificar-se-ia exigir aos senhores mais ricos deste mundo, em particular no caso de um país como Portugal ou a Grécia, que nos facilitassem uma lista das aplicações das suas poupanças. Esta exigência é válida ou relevante para qualquer país mas, para já, contentemo-nos em começar por alguns países mais representativos do tipo de crise em que nos encontramos. Os senhores mais ricos, que têm acumulado lucros e prémios (mais ou menos chorudos) pela sua gestão empresarial que nos informem sobre quais os investimentos que têm feito em coisa concretas, em empreendimentos reprodutivos e sustentáveis, com criação de postos de trabalho e valor acrescentado.
Dizem-nos (os tais defensores da teoria económica convencional) que eles – os que ganham mais dinheiro - até são empresários de sucesso e especialmente dotados de um decantado «espírico empreendedor». É que, de acordo com a teoria convencional, até é para isso, para aumentar o investimento, que serve a tal maior propensão marginal para a popupança. Por outras palavras, para onde é que eles levam o dinheiro ?... Pergunta legítima, ou não?!...

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Ainda a propósito da Jerónimo Martins

No último programa «O Eixo do Mal» a Jerónimo Martins voltou a ser o «bombo da festa».
Com excepção de Daniel Oliveira aquilo foi uma espécie de desafio da asneira, em alguns casos pura demagogia ou simples ignorância/desconhecimento sobre as coisas da globalização. É verdade que ninguém é obrigado a estudar a fundo estes fenómenos, mas o estudo destas matérias não sendo «campo reservado» de especialistas (a matéria interessa a toda a gente...) deveria ser, pelo menos, uma preocupação de quem tem «tempo de antena» e vai para a TV botar palpites e ajudar a «fazer a opinião».
Repito, tirando os comentários de Daniel Oliveira e a sua pertinente e repetida pergunta «se não há interesse financeiro/fiscal em a JM ir para a Holanda, então porque é que vai?», quase todo o discurso dos participantes foi para comentar/condenar ou explicar a decisão tomada com base na moralidade (ou falta dela) dos dirigentes da JM. Como se a Ética tivesse alguma coisa a ver com isto ou se os dirigentes empresariais fossem atrás de injunções morais... Como se não houvesse uma lógica objectiva e implacável do sistema.
Depois e para ajudar à festa veio a notícia de que a Jerónimo Martins andava a distribuir uns panfletos a explicar aos clientes da cadeia «Pingo Doce» as «inverdades» (porque será que não dizem «mentiras»?...)
Vamos a ver: a Holanda (o estado holandês e os bancos ali existentes) não trabalha de borla («não há almoços grátis» dizem eles, com alguma razão).
Se não estou em erro, foi em 2008 que transitaram pela Holanda – a caminho de outros refúgios fiscais – qualquer coisa como 18.000.000.000.000 de dólares. Imagine-se que os bancos holandeses só cobravam 0,5% (meio por cento) de comisssão pelo serviço prestado. Teriam sido 90.000.000.000 de dólares que por ali ficaram. Dados os reduzidos «custos de transacção» relativos àquele trânsito, imagine-se que metade daqueles biliões (sei lá...) foram direitinhos para as contas de lucros dos tais bancos. Depois imagine-se também que os bancos holandeses pagaram ao Estado Holandês apenas 10% de imposto sobre aqueles «lucros». O estado holandês teria assim empochado (se calhar não... isto sou eu só a especular...) qualquer coisa como 4.500.000 de dólares. Não seria assim de admirar que eles, os holandeses, não tenham grandes problemas de «dívida»... E que o Estado Social deles esteja muito melhor do que o nosso...
Veio também à baila a estória da não existência de um acordo de dupla tributação entre Portugal e a Colômbia. Como a Holanda tem acordos desses com quase todos os países (como seria de esperar de qualquer refúgio fiscal que se preze...), essa seria uma das razões pela qual a família Soares dos Santos teria tomado aquela decisão. A razão de ser de «acordos de dupla tributação» é justamente a evitação de pagamento de impostos, duas vezes, supostamente sobre os mesmos rendimentos (haverá logo aqui uma confusão conceptual entre rendimentos pessoais e lucros empresariais, mas adiante...). Seja como for, e sem fazer aqui qualquer processo de intenção a quem quer que seja, convém lembrar que uma das razões para o aproveitamento daqueles acordos de «dupla tributação» é a «dupla não-tributação». O leitor visitante que passe por aqui experimente ir ao Google (ou outro mecanismo de busca...) e introduza como frase de busca «Double Non Taxation» e encontra logo milhares de ocorrências. Salienta-se em particular o texto «European Commission to launch a public consultation on double non- taxation - December 2011».
Como assinala o Prof. Sol Picciotto da Universidade de Lancaster, há muitas décadas que as grandes empresas e as grandes fortunas pessoais descobriram como transformar a evitação do pagamento de impostos em duplicado – não pagar a dois Estados – em não pagar impostos nenhuns...

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

O barulho mediático sobre a Jerónimo Martins

Hoje - dia 4 de Janeiro - a rádio TSF dedicou o seu programa diário «Forum TSF» a debater a questão da transferência da sede fiscal da SGPS (ou lá do que seja...) da «Jerónimo Martins», de Portugal para a Holanda. De repente começou a falar-se (e ainda bem...) desta estória, antiga de muitos anos, da fuga aos impostos (evasão e/ou evitação fiscal) por parte das maiores empresas, em todo o mundo e também em Portugal. Das 20 empresas do PSI20 já são 19 aquelas que estão sediadas na Holanda ou no Luxemburgo, notórios refúgios fiscais que continuam impunemente a parasitar as outras economias da União Europeia (mas não só, claro!!!...).
Confesso que fiquei particularmente sensibilizado (chocado, revoltado, indignado...) com a supina lata de um senhor administrador de uma grande empresa cervejeira da cidade do Porto, a justificar (e a defender) o direito das empresas em refugiarem as suas sedes fiscais, em países onde o regime fiscal é «mais amigo dos 'investidores'»...
E depois, para que os ouvintes ficassem esclarecidos sobre uma eventual «neutralidade» do entrevistado relativamente a esta questão, foi acrescentado pelo moderador da TSF, que a referida empresa cervejeira não fazia «isso» (de ter uma sede fiscal num daqueles refúgios fiscais). Esqueceram-se, o entrevistador e o entrevistado, de esclarecer que 44% do capital da dita cuja empresa cervejeira é propriedade de uma empresa transnacional (a qual já tem a sua própria rede de refúgios fiscais) e que os restantes 56% do capital são propriedade de 3 «holdings» supostamente portuguesas.
E disse mais o tal senhor administrador: que o Luxemburgo e a Holanda, ao contrário de alguns refúgios fiscais (dizia ele...) são países respeitáveis e que portanto o que se estava a fazer era perfeitamente legal. Pois, houve um tempo em que a escravatura também era legal. E o regime de «apartheid» na África do Sul (só acabou há menos de 20 anos) também era legal... Como se o roubo legalizado deixasse de ser roubo.
Por fim (ou melhor, depois disso eu desliguei...) o senhor administrador deu ainda o exemplo da pouca competitividade fiscal do regime português, dizendo que em Portugal (ao contrário da Holanda e do Luxemburgo) os «investidores» que comprassem uma empresa (em processo de concentração e reestruturação empresarial, «dixit») por um valor de mercado acima do valor contabilístico dessa empresa, não podiam depois descontar essa diferença como prejuízo fiscal.
A confusão conceptual (e demagógica) é tanta que daqui sublinho apenas esta coisa: para estes senhores, investir (e criar riqueza, «dixit») é comprar empresas (e depois despedir uns 10% a 20% do pessoal para a tornar «mais rentável», dizem eles...).
Antigamente investir era criar novos empreendimentos, de raíz...
Até já ouvi a um outro senhor de uma outra grande empresa do PSI20, reconhecer essa coisa elementar: «quando se compra uma empresa não se está a investir, o que está a acontecer é apenas a troca de propriedade» (de uma «fonte de lucro», acrescento eu...)
De passagem, o senhor administrador, não deixou de apelar à necessidade de um entendimento alargado entre todos os partidos do «arco-de-governabilidade» («dixit»). Pelos vistos os outros partidos - mais à esquerda - esses não têm direito a ter «voto na matéria». Quando muito (e vá lá, vá lá...) poderão ir protestando. Dentro das regras, claro! Presume-se.