quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

A Propósito do Confisco Fiscal - 2

O TEMPO DE TRABALHO (2)
As empresas sempre, mas sempre, se opuseram a quaisquer reduções de horários de trabalho, invocando sempre as mais urgentes razões e acenando para as dramáticas consequências sociais e económicas no caso de o Estado impor reduções aos horários de trabalho.
Mesmo reconhecendo o aumento generalizado das férias anuais, a consulta de quaisquer estatísticas laborais, mostrará à evidência, que há ainda um longo caminho a percorrer para ajustar os tempos de trabalho às necessidades efectivas da vida social e económica.
Se entretanto considerarmos os tempos de acesso aos locais de trabalho, por parte das populações urbanas, vemos facilmente o impacto negativo que esta situação continua a ter (e a agravar-se) sobre a vida familiar e a vida social em geral. Neste contexto, a luta por uma redução progressiva dos horários de trabalho deve ser prosseguida até que seja alcançada a taxa “natural” de desemprego (cerca de 2 a 3%) e que corresponde aos desempregados ocasionais e em procura (de curta duração) de primeiro ou segundo emprego.
Esta redução progressiva dos horários de trabalho poderá mesmo ser efectuada com uma redução proporcional do salário nominal. Sublinha-se aqui o carácter de salário nominal!... Por um lado, ao trabalhador o que interessa é o salário liquido que efectivamente recebe, no seu bolso ou conta bancária, no fim da cada mês. Ou seja, bastará que o Estado faça os necessários e adequados ajustes nas tabelas e taxas de IRS, para que os trabalhadores ganhando nominalmente menos, continuem a ganhar efectivamente o mesmo, em termos absolutos, ainda que algo mais, em termos relativos.
Por outro lado, em sistema capitalista e em regime de “Estado Social”, não é razoável esperar que sejam as empresas, uma a uma e a título individual, a suportar os encargos da solidariedade social. Esse encargo cabe por inteiro ao Estado de que todos somos cidadãos.
Em todo o caso é importante sublinhar que com a adopção de medidas deste tipo, todos podem sair a ganhar: os trabalhadores, as empresas e o Estado. Os trabalhadores porque passam a dispor de mais tempo para a família ou para seu aproveitamento pessoal. Desde o lazer à intervenção cívica. As empresas porque passam a dispor de mais variadas opções, em termos de qualificações, trabalhos por turnos e ainda de pessoas com mais variadas e diferentes motivações e qualificações. O Estado, porque tendo menos encargos com subsídios de desemprego, poderá mais facilmente suportar a não receita em sede de IRS, podendo mesmo, eventualmente – é apenas uma mera questão de “engenharia fiscal e de contabilidade social” – adoptar esquemas de incentivos fiscais dirigidos à actividade empresarial. Finalmente, o Estado ganhará sobretudo em termos de maior coesão social, a qual é sempre propícia ao investimento.
Referi mais atrás que com uma redução gradual, mas sistemática e sustentada, dos horários de trabalho, os trabalhadores passariam a ter mais tempo para a intervenção cívica. Tal facto parece-me crucial para a consciencialização da cidadania e para a discussão colectiva das decisões políticas mais importantes. Muito em particular no que diz respeito à participação activa nos diversos meios de discussão e decisão, desde as autarquias até à participação no processamento da Justiça.
Mas aqui – na ocupação dos “tempos livres” que pudessem ser dedicados a uma intervenção cívica - haverá a considerar o peso cada vez maior das indústrias da alienação as quais têm tido um papel explicitamente assumido de “entreter e distrair o pessoal”. Como já diziam os dirigentes do Império Romano, “panem et circenses”...
Entretanto, em nota de rodapé tinha incluído algo como:
«Uma das razões porque as empresas combatem (recusam...) a redução dos horários de trabalho, até é simples e faz todo o sentido: é necessário (tem toda a vantagem...) aproveitar ao máximo o capital fixo (as máquinas e as estruturas físicas...) para delas tirar o máximo rendimento. Além do mais o trabalho por turnos – por causa de eventuais paragens ou abrandamentos – parece resultar menos eficiente do que o trabalho continuado dos mesmos trabalhadores». 
Mas, a razão fundamental deverá parecer evidente: será muito simplesmente a luta contra a emancipação das classes trabalhadoras !...  


A Propósito do Confisco Fiscal - 1

Lembrei-me de uns parágrafos que escrevi em tempos e que vieram a ser incluídos no livro «Anatomia da Crise - Crónica de um Desastre Anunciado». (Zéfiro, 2009).
Falava aí - não lhe dando se calhar o relevo suficiente - da diferença entre «ordenado bruto» e «ordenado líquido». Com este aumento enorme (disse ele, o ministro...) dos impostos, as pessoas com emprego deverão ter-se apercebido dessa diferença crucial entre aquilo que as empresas contabilizam como «ordenado» (e outras coisas... comissões, bónus...) e aquilo que cada um leva mesmo «para casa» ao fim de cada mês. Talvez agora fiquem mais sensíveis ao argumento de que o importante mesmo é aquilo que efectivamente se recebe «em contado».
Passo a transcrever aqueles parágrafos, até porque me parecem particularmente relevantes para uma (entre outras, claro...hipóteses de «saídas para a crise». )
Aproveito para sublinhar aqui as coisas que me partecem mais importantes.
Vai por partes:

O TEMPO DE TRABALHO (1)
Começo naturalmente por aquela que me parece ser a medida mais problemática (por causa até do enorme combate ideológico que pressupõe...) mas que será também a solução ou medida mais estruturante e estrutural de todas as que se possam vir a desenvolver.
Ao falar mais atrás na relação entre os factores “capital” e “trabalho” estava também a pensar na relação entre ”trabalho socialmente necessário” e ”trabalho excedente”.
Por outro lado e considerando que esta crise (como tantas outras antes desta) é uma crise de sobreprodução, então resultará daí uma primeira medida estrutural (no âmbito da economia) e estruturante (no âmbito da sociedade).
Desde logo, em primeiro lugar, penso na redução sistemática e progressiva dos horários de trabalho. Reclamação particularmente relevante se considerada no âmbito da totalidade dos países da União Europeia. Vem na linha da proposta aprovada em França pelo governo de Lionel Jospin, entretanto combatida pelos governos de direita que lhe sucederam. Vem também na linha da ênfase que hoje é dada, por diversos quadrantes políticos, à necessidade de “partilhar por todos o trabalho de facto disponível”.
Parece-me, no mínimo, estranho que enquanto se vai aceitando como natural que em algumas fábricas ou sectores de actividade se fechem portas ou se suspendam actividades, durante determinados períodos (algumas semanas, por exemplo), de modo a ajustar a produção à procura efectiva, não se pense ao mesmo tempo em, pura e simplesmente, consagrar e generalizar essa prática, reduzindo os horários de trabalho para toda a gente.
Em termos de lógica funcional do sistema é exactamente a mesma coisa. Será tudo apenas uma questão de discutir e ajustar os detalhes. Se menos 3 horas por semana para toda a gente, neste ou naquele sector, se um dia inteiro por semana, se isto ou aquilo... Não há aqui soluções “chave na mão”. Será sempre necessário analisar, caso a caso, e ninguém melhor para o fazer do que as empresas e os trabalhadores.
Ao Estado cabe apenas determinar o princípio, básico e fundamental, de uma redução geral do horário de trabalho, mas não apenas como “uma saída para a crise”. A lógica do sistema há-de impor, mais década menos década, que cada vez seja menos necessário “trabalhar” tanto como até agora, no sentido em que hoje se entende esta palavra e que cada vez seja mais necessário “passar a intervir” na vida social. 
Lembro a esse respeito a longa e dura luta que houve que travar, nos idos de 1844, para que no Reino Unido se generalizasse a redução dos horários de trabalho, de 12 para 10 horas por dia. Até fins do século XIX, princípios do século XX, conseguiu-se generalizar a prática das 48 horas por semana. Depois, em meados do século XX passou-se para o padrão de 40 horas por semana.
De então para cá, apesar dos enormes ganhos de produtividade social, a situação estagnou. Ou seja, em sessenta anos passou-se de 72 horas para 48 horas semanais. Mas, em  cem anos, e apesar (repete-se), dos enormes ganhos de produtividade social agregada, não se conseguiu mais do que passar de 48 horas para 40 horas semanais.
Resumindo a evolução ao longo do século XIX, temos que até 1832 não havia limite e a questão de "horário de trabalho" nem sequer se punha. Em 1833 passou-se para o limite das 12 horas por dia ou 72 horas por semana. Em 1844 passou-se para o limite de 10 horas por dia ou 60 horas por semana, mas apenas em algumas actividades de maior desgaste físico. Em 1848 generalizou-se o limite das 10 horas por dia ou 60 horas por semana).

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

A Propósito da Descida dos Juros

O total dos capitais financeiros escondidos nos refúgios fiscais já tem sido estimado – num cálculo prudente e por várias entidades – em qualquer coisa como 20 a 30 milhões de milhões de dólares. O PIB de um país como Portugal é de aproximadamente 250 mil milhões de dólares. De todo aquele capital financeiro, muito é «capital fictício» (também criado ardilosamente pelos executivos dos bancos privados por esse mundo fora...), mas não deixa de representar poder de compra e eventuais títulos de propriedade de coisas mais palpáveis do que o dinheiro...
Ou seja, o dinheiro todo que está escondido nos tais refúgios fiscais (desde a City of London, às diversas ilhas tropicais, passando por Hong-Kong e outros locais menos exóticos, como o Luxemburgo ou a Suíça...) é mais ou menos equivalente a 80 a 120 vezes o PIB de Portugal.
Ora acontece que todo aquele capital financeiro precisa de ser aplicado... Os seus proprietários e respectivos gestores não gostam de ver todo aquele dinheiro parado...
Por outro lado as grandes e muito grandes empresas continuam a declarar lucros (algumas um pouco menos do que antes, mas lucros...) e portanto a acumular excedentes. Esses excedentes, nas mãos dos respectivos gestores e executivos são em parte para aplicar em investimentos e projectos que «já vêm de trás...»; ou seja «estavam previstos e ou planeados a prazo»...
Por outras palavras, muitas das grandes e muito grandes empresas não precisam para nada de «dinheiro adicional». Quando muito precisam que os bancos – alguns bancos – as «ajudem» na gestão de carteiras de títulos, processos de aglomeração empresarial e de fluxos financeiros.
No que diz respeito às colossais fortunas (muitas delas confiadas a «fundos de investimento) que estão escondidas nos tais refúgios fiscais, essas sempre continuam e continuarão à procura de «aplicação» minimamente rentável. Mas, como continuam a escassear as oportunidades para «aplicar» esse dinheiro em investimentos produtivos (na chamada economia real...), então, o mais natural é que pensem, «do mal o menos... Vamos lá emprestar algum desse dinheiro a países como Portugal». Se ainda por cima houver umas entidades com o aval de um país com excedentes comerciais (a Alemanha, o BCE e o FEEF...) então «vamos a isso»...
Nessas circunstâncias, aumentando a oferta de dinheiro para emprestar, o mais natural é que o seu preço (os juros...) desçam. E entretanto, no meio dessa onda de âmbito global, e como é natural, os espertos que nos (des)governam aproveitam logo para dizer qualquer coisa como «é porque nós somos bem comportados que eles nos emprestam dinheiro a juros mais reduzidos»... Presunção e água benta...

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

«ONU alerta para nova recessão mundial»

De acordo com o jornal Expresso (18 de Janeiro de 2013 - http://expresso.sapo.pt/onu-alerta-para-nova-recessao-mundial=f780040) e segundo a ONU, «se não forem adotadas medidas de combate ao aumento do desemprego no mundo poderá vir aí uma nova recessão mundial.»
Não posso deixar de achar alguma graça – amarga – a esta «conversa» ou tipo de notícia. Como se os autores não soubessem – se calhar não sabem mesmo... - que a economia mundial – planetária – já entrou em recessão há muito tempo. E assim continua (apesar dos BRICs «emergentes...) mas, de cada vez que há um esboço de abrandamento na descida (para os infernos...), ficam todos contentes porque «saímos da recessão»... Quando o «abrandamento» começa a dar sinais de inverter - mais uma vez, pois que «isto» é tudo aos zigue-zagues - lá vem o alerta de «pode vir aí uma nova recessão»...
Os presumidos técnicos da ONU que alertam para esta «nova» recessão também não devem ler os documentos e estudos elaborados por outros colegas, muito em particular aqueles que elaboraram o detalhado estudo «Objectivos do Milénio».
Também devem fazer parte dos especialistas que entendem que a onda de Kondratieff é uma espécie de «mito urbano» (ou mesmo uma fraude intelectual...) e que Schumpeter e outros não tinham qualquer razão para falar em «grandes ciclos» no desenvolvimento da economia mundial.
Assim sendo, como esses especialistas  têm sistematicamente uma perspectiva de muito curto prazo (trimestral... anual... fazem parte daquilo que eu chamarei de «génios de vistas curtas») sempre que há uma ligeira subida dentro da descida ou estagnação de longo prazo, ficam todos contentes e pensam logo que «estamos a sair da crise e da recessão»... Nesse contexto quando as coisas começam a dar sinais de que a economia mundial está a voltar à «normalidade sistémica» desta recessão (da qual só sairemos com medidas de amplitude e profundidade sistémica) vêm muito preocupados alertar para que poderá vir aí uma nova recessão mundial.


As chamadas ondas de Kondratieff:  
 

No gráfico que aqui se reproduz, encontrado em http://www.kondratieffwavecycle.com/kondratieff-wave/ e elaborado por uma insuspeita empresa de consultadoria financeira (http://www.longwavegroup.com/) pode ver-se que as causas para estas ondas cíclicas indicadas por autores como Joseph Schumpeter, são causas do tipo «transformação tecnológica» das forças de produção. Há toda uma literatura sobre o assunto dos ciclos e ondas económicas de longo prazo, mas isso (em particular as suas causas profundas), pelos vistos é coisa que terá deixado de interessar estudar ou, coisa mais grave, «faz de conta que não interessa».

 

Voltando ao alerta dos nossos especialistas da ONU, neste outro gráfico, em que os técnicos da mesma empresa «Long Wave Group» projectam uma «saída da crise» lá para 2020, nas curvas coloridas a azul podem ver-se subidas e descidas - pequenas e minúsculas - dentro de cada subida e descida de maior dimensão... É para mais uma dessas possíveis «pequenas ou minúsculas» descidas (dentro de uma descida de muito maior amplitude) que nos alertam os especialista da ONU. E é por isso que eu digo que grande parte dos especialistas em questões de economia e finanças são «génios de vistas curtas»... Não conseguem ver para lá das «encostas gráficas» em que estão mergulhados.
Para concluir convém sublinhar que também há aqueles que acham que tudo isto (das «teorias dos ciclos» – ou das «ondas» em análise histórica da economia) é uma treta ou «pseudo-ciência»... Normalmente parecem assumir que «ciclos» e «ondas» só acontecem no mundo das ditas «ciências da Natureza»... O ciclo das estações do ano, os ciclos de um motor de combustão... o «ciclo da água»... Ou seja, para esses «positivistas» e «racionalistas» não haverá «ciências sociais». Opiniães...