segunda-feira, 12 de maio de 2014

Estudar Marx de «pernas para o ar» ?...

Esboço de uma comunicação a fazer um dia, se...
Aquela que é talvez uma das mais citadas frases de Marx é aquela em que diz algo como ter encontrado Hegel de «pernas para o ar» (em rigor aquilo que Marx diz é que em Hegel era a dialéctica que estava de pernas para o ar...)
«The mystification which dialectic suffers in Hegel’s hands, by no means prevents him from being the first to present its general form of working in a comprehensive and conscious manner. With him it is standing on its head. It must be turned right side up again, if you would discover the rational kernel within the mystical shell.» em «Pósfácio à segunda edição alemã de O Capital Volume I»
http://www.marxists.org/archive/marx/works/1867-c1/p3.htm

No contexto dos actuais (e sempre oportunos) congressos e conferências sobre a obra de Karl Marx, designadamente seminários sobre a leitura crítica de «O Capital», ocorre dizer que talvez algo de semelhante se possa fazer em relação à obra de Marx.

Imagino que um estudante pós-graduado em ciências físicas possa querer elaborar um trabalho sobre o conteúdo textual dos «Princípios Matemáticos da Filosofia Natural» de Newton ou sobre os cadernos de apontamentos de Einstein, mas a verdade factual é que um engenheiro físico pode fazer um doutoramento na sua área de conhecimento servindo-se apenas das fórmulas fundamentais dos cientistas físicos que nos precederam na história da ciência. Poderão eventualmente dedicar-se a uma exege dos textos daqueles e outros físicos de renome mundial, mas a verdade é que para projectar o lançamento de satélites artificiais o que têm mesmo que estudar é Química e Física aplicadas, sem terem muito que se preocupar com os percursos intelectuais de quem descobriu as leis da Física e da Química que rotineiramente utilizam nos seus cálculos.
No caso da Economia Política a coisa não é bem assim. No que respeita à disciplina designada por «economics» nem vale a pena falar... é uma ieologia matematicamente pura (na feliz expressão de Alan Freeman) e estará tudo dito.
Voltando à minha ideia de que, se calhar, seria recomendável «dar um piparote» na obra de Marx e colocá-la com as pernas no chão, devo lembrar que uma parte significativa dos escritos de autores marxistas é sobre explicações e polémicas sobre aquilo que Marx (e Engels) disseram ou deixaram de dizer, aquilo que «de facto» queriam dizer ou ainda o significado, implícito ou explicito, desta ou daquela tese ou afirmação dos autores originais do marxismo. Em suma, exercícios de exegese, ou seja a interpretação profunda dos textos de Marx e Engels.
Não posso afirmar que se trate da maioria dos casos mas, de entre as várias centenas de páginas que tenho lido sobre o assunto, a maioria esmagadora dos textos são isso mesmo: discussões sobre aquilo que Marx escreveu ou deixou de escrever.
Pela minha parte acho que seria muito mais útil para o combate necessário e urgente contra a ideologia da tal disciplina que dá pelo nome de «economics»1 estudar «economia política aplicada» a partir da fórmula fundamental («Marx dixit»...), a qual fórmula é aquela que explica o comportamento dinâmico do sistema capitalista: «a taxa de lucro é igual à taxa de valor acrescido a dividir pelo indíce de capital constante mais um»Ou em «matematiquês» corrente, «r = e / k + 1».
Uma cantilena correspondente no campo da Física seria aquela que diz «matéria atrai matéria na razão directa das massas e na razão inversa do quadrado das distâncias».
Por outras palavras, em vez de «perder tempo» a discutir a interpretação (certa ou errada) dos escritos de Marx, começar a estudar a realidade económica com que nos defrontamos a partir da conclusão (final e definitiva) a que chegou Marx. 
Ou seja, de certa forma, estudar Marx «de trás para a frente»...
Como a esperança é (ou devia ser...) a última coisa a morrer, ainda pode ser que venha a assistir ao cenário social de haver aulas de teoria económica onde se explique tudo isto com o detalhe necessário e suficiente para os nossos economistas serem capazes de serem mesmo «cientistas sociais», aptos a prever as grandes linhas de evolução da economia.
1A ver se beneficiam do prestígio de «Phisics»...