sexta-feira, 6 de junho de 2014

Dizem que anda por aí um «novo Marx»

A propósito de um livro de Thomas Picketty
Mão amiga fez-me chegar «'às mãos» - por via electrónica – um artigo de Sérgio Aníbal publicado no jornal PÚBLICO em 24 de Maio (se não estou em erro).
Tem por título «Anda por aí um novo Marx»... Referindo-se ao ultimo grito dos sucessos editoriais – eu invejoso me confesso – o livro de Thomas Picketty, «Capital no Século XXI»
Segundo nos diz Sérgio Aníbal, «"Maior livro da última década” e “brilhantemente revolucionário” ou “lengalenga ideológica bizarra” e “espantosamente ignorante” foram alguns dos adjectivos usados para descrever a obra de Piketty».
Confesso que já ando a ficar «excitado» (para não dizer «farto»...) com esta mania do «novo Marx»...
Ainda não tive pachorra (se chegar a ter...) para ler o referido livro e portanto estas reflexões são elaboradas para serem lidas (se isso chegar a acontecer, claro...) com algum «sal e pimenta»...
Thomas Pickety - por aquilo que já li – conseguiu coligir informação mais do que suficiente para demonstrar – empiricamente – aquilo que muitos andam a denunciar há décadas: as desigualdades crescentes na distribuição da riqueza global.  Só por isso já valeu a pena o trabalho de Thomas Picketty.
Mas, no que diz respeito a explicação teórica sobre as causas dessa crescente desigualdade parece confundir «efeitos» com «causas»... Talvez seja por isso que se sente - dizem - pouco confortável com a comparação com Marx.
Passo a citar de novo o autor do artigo
«A fórmula, a mais discutida no debate económico dos últimos meses, escreve-se como r>g, em que r é a taxa de retorno do capital e g é a taxa de crescimento da economia. A tendência de longo prazo, diz Piketty, é a de que r supera g»...
Por outras palavras, a tendência de longo prazo, dizem que diz Picketty, é a de que «a taxa de lucro excede a taxa de crescimento da economia como um todo»...
Como explicação para um fenómeno historicamente recorrente (ou seja, não é sempre assim...), é caso para dizer. NADA DE MAIS ERRADO!...
Em primeiro lugar não vi ainda qualquer referência ao caracter oscilatório (e dinâmico) das «ondas de evolução» da história económica... Ondas de Kuznetts, ou de outros quaisquer... 
Por coincidência ando já há umas semanas a reler – paulatinamente - um livro que li já há uns 20 anos justamente sobre esta temática. «The Long Wave in the World Economy» de Andrew Tylecote. Este autor afirma-se como «não marxista» (e de facto não é...), mas isso não impede que o livro contenha muita informação interessante e reflexões válidas sobre a noção de «onda» na evolução da Economia global.
Voltando ao livro de Picketty, este outro autor, pelos vistos, não explica - ou não aborda - porque razão às vezes as «coisas» sobem e às vezes as «coisas» descem...
O que verdadeiramente acontece é que quando a taxa de crescimento da economia começa a abrandar (por via do esgotamento progressivo das oportunidades de investimento - é como eu prefiro designar a famigerada «lei da queda tentencial da taxa de lucro»...) o grau de apropriação do valor excedente que vai sendo criado por parte dos «donos» e «gestores» do sistema, esse grau de apropriação, começa - necessariamente - a aumentar. Por outra palavras, se o «bolo» aumenta «mais devagarinho» - e quem parte e reparte e não fica com a melhor parte (...) -  então aquilo que sobra para os «outros» é necessariamente mais relativamente reduzido... «Elementar meu caro Watson»...
Repito, salvo uma leitura integral do livro do Picketty - não sei se terei pachorra - por aquilo que já li (que foi apenas o «quanto baste»...) Picketty confunde «efeitos» com «causas»...
Segundo também li, Thomas Picketty, para se distanciar de Karl Marx (não era preciso...) terá afirmado algo como «que nem sequer tinha conseguido ler "O Capital" até ao fim»... Pois... ler - e compreender - Marx (e a sua análise do Capitalismo!...) é de facto uma chatice...Mas não precisava de ser!
 http://www.publico.pt/economia/noticia/anda-por-ai-um-novo-marx-1637139
 
 

segunda-feira, 2 de junho de 2014

SOBRE A ORIGEM DO LUCRO

«De volta à «origem» do lucro - Jean -Marie Harribey
Tal uma má consciência , a questão da origem do lucro regressa periodicamente ao debate teórico. De cada vez, é uma oportunidade para desenterrar Marx, o pai da mais controversa explicação do lucro, e de o enterrar outra vez logo em seguida porque o seu modo de tirar a teoria do lucro do quadro estrito da economia não é admissível para a grande maioria dos economistas. Nas últimas décadas, vimos a onda de discussões dos anos 1960-1970 em volta do problema dito da transformação, depois de Sraffa ter expressado correctamente um sistema de preços de produção. Essas discussões levaram à constatção de que eram considerados dois tipos de soluções para aquele problema: uma, que vai de Bortkiewicz, Seton e Morishima, que não aceita os conceitos de Marx (soma dos valores = soma dos preços na produção e soma das mais-valias = soma dos lucros ), e outra, enunciada quase simultaneamente por Dumenil, Foley e Lipietz, restabelecendo o conjunto da problemática de Marx. Houve a partir daí, na década de 1980, um interesse renovado na questão da origem do lucro quando a teoria keynesiana do circuito enfatizou a antecipação do lucro por meio da criação de monetária de dinheiro que permite acumulação de capital. Recentemente, Henri Denis voltou a repetidamente a este lancinante problema para refutar a teoria do sobre-valor de Marx e restaurar a honra uma tese de Kalecki que Boulding havia reformulado em 1950 ao localizar a fonte de lucro no... lucro.»

Uma coisa que talvez surpreenda muito boa gente é o facto (insólito?...) de que os «economistas convencionais» (os da linha principal, quase sempre alinhados com a «engenharia social» do neoliberalismo e as respectivas e actuais políticas de austeridade), não são capazes, esses economistas, de explicar (enfâse no "explicar") a ORIGEM do lucro.
Por outro lado, salvo algumas e eventualmente raríssimas excepções, os referidos «economistas convencionais» nunca leram qualquer coisa escrita por Karl Marx relativamente ao funcionamento da economia capitalista. Alguns terão lidos criticas em segunda ou terceira mão dizendo (explicando, demonstrando...) que Marx «estava errado» e ficam-se por aí... Por vezes admitem que terá sido uma personalidade incontornável no campo das ciências sociais, mas como «economics não é uma ciência social», não vale a pena um economista digno do seu nome perder muito tempo com isso... Se um qualquer prémio «"Nobel" de Economia» diz que a análise de «O Capital» está errada não vale certamente a pena perder muito tempo com isso...
E, no entanto, se se dessem ao trabalho de estudar os apontamentos que Marx foi elaborando ao longo da vida – e vertidos em forma de livro – sobre a lógica de funcionamento do sistema capitalista, talvez viessem lá a encontrar alguns argumentos interessantes para defender os seus interesses de classe: uma explicação marxista da origem do lucro, sem recorrer a alguns conceitos «perigosos», tais como «luta de classes», «valor acrescido» (vulgo, «mais-valia»), trabalho excedente, e sobretudo o conceito de «exploração» (essa coisa abjecta e ultrapassada que os empresários capitalistas, mais honestos e cumpridores, nunca fazem...)
Então é assim: a certa altura, no capítulo XIII, do Volume I de «O Capital), dedicado à Cooperação, vem este parágrafo prenhe de ilações. 

«A força produtiva que o trabalhador desenvolve como trabalhador social é, portanto, força produtiva do capital. A força produtiva social do trabalho desenvolve-se gratuitamente tão logo os trabalhadores são colocados sob determinadas condições, e o capital os coloca sob essas condições. Uma vez que a força produtiva social do trabalho não custa nada ao capital e, por outro lado, não é desenvolvida pelo trabalhador, antes que seu próprio trabalho pertença ao capital, ela aparece como força produtiva que o capital possui por natureza, como sua força produtiva imanente.»
Em «O Capital - Capítulo XIII - A Cooperação».

Como disse mais acima, um dos problemas fundamentais que (não) aflige os economistas convencionais é a explicação da origem do lucro. Como aparece e de onde vem...
Aquilo que se encontra com toda a naturalidade e frequência é a justificação do lucro. Designadamente o facto de os empresários assumirem riscos e, portanto, o lucro ser para eles e seus apologistas «o prémio legítimo do risco assumido». Mas, sobre como é que ele aparece, como é que o risco em si mesmo é uma causa do lucro, sobre isso não se contram grandes (poucas ou nenhumas...) explicações.
Pois bem, se aqueles senhores se dessem ao trabalho se estudar o Capital, da mesma maneira que muitos (quase todos?...) os economistas de formação técnica marxista, estudam o marginalismo, o utilitarismo, o monetarismo (e outros "ismos" colaterais...) talvez encontrassem naquele parágrafo escrito pela mão de Marx uma explicação razoável e perfeitamente lógica e coerente para explicar a emergência de um valor acrescido («sem exploração»...) e que corresponderia ao aparecimento de um montante extra de riqueza social a que depois – em regime capitalista - chamamos «lucro». A emergência de uma parte do montante adicional de riqueza gerada pelo trabalho assalariado («valor acrescentado», «valor acrescido», «sobre-valor», «excedente económico» ou ainda «mais-valia»... ou como lhe queiranm chamar...) teria assim origem naquilo a que agora se chama – em teorias e técnicas de gestão - «efeito de sinergia». Ou seja, pelo menos uma parte do lucro poderia (ênfase no «poderia») ser explicado também como resultado da sinergia do trabalho em conjunto. E não necessariamente como resultado da exploração.
Este efeito de sinergia (e o efeito da presença de «um outro» a emular) tem sido demonstrado em várias experiências de psicologia social, incluindo experiências com diversos tipos de animais. Até baratas... Observou-se mesmo que o simples facto de haver espectadores – que proporcionem aquilo a que se chama «reforço positivo» - leva a um maior desempenho por parte do grupo observado. 

Observações
Disponível em PDF - http://www.google.pt/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0CDEQFjAA&url=http%3A%2F%2Fharribey.u-bordeaux4.fr%2Ftravaux%2Fvaleur%2Fprofit.pdf&ei=OJ6MU4blIajI0wXe_YGABg&usg=AFQjCNHvugP-Et3mzfpU2SzaosG_Xe6wcg&sig2=EwRHFc36LB52s-LlgQ25eg&bvm=bv.67720277,d.d2k
Este parágrafo aqui por mim sublinhado a «amarelo claro» podia ser utilizado pelos apologistas do Capital como uma legítima explicação para a emergência do Lucro... Em vez de se perderem nos meandros das justificações moralistas do «lucro como prémio pela assunção de risco»... GFS Na edição «Penguin Classics» encontra-se na página 451. Na edição «Garnier Flammarion» encontra-se na página 247. Curiosamente esta versão em Inglês utiliza o termo «inerente» (inherent») enquanto que a versão em Francês utiliza de facto o termo «imanente». O termo «imanente» aparece também na versão em Inglês disponível na Rede em formato PDF, e acessível aqui
https://www.google.pt/search?q=Capital+Marx+Book+1&ie=utf-8&oe=utf-8&aq=t&rls=org.mozilla:pt-PT:official&client=firefox-a&channel=np&source=hp&gfe_rd=cr&ei=zluHU42QAeze8gfUqIDICw