sábado, 28 de outubro de 2017

A Propósito da Catalunha

Paradoxos das democracias (quer as burguesas, quer as populares).
É sabido que o idioma (a língua falada e escrita) é um dos principais «cimentos» da identidade nacional. Há outros, mas isso não vem agora ao caso.
«In illo tempore», os comunistas soviéticos destacavam com legítimo orgulho o facto de terem tido uma política cultural de preservação de idiomas que se encontravam em vias de extinção no espaço geográfico do antigo Imério Czarista.
Já em pleno século XX, na França democrática das primeiras décadas, uma criança da Bretanha (por exemplo), que fosse apanhada na escola a falar em bretão, era «corrigida» à palmatoada. No caso das regiões do Sul, fala-se mesmo em «La Vergonha» quando se fala da repressão dos idiomas locais e imposição do Francês oficial. Pelos vistos os governos franceses foram muito mais eficazes do que a correspondente repressão por parte dos dirigentes de Madrid (que culminaram com a ditadura fascista de Franco).
Será por isso que o Euskera é muito mais falado em Espanha do que no «”Pays Basque” Français», onde quase não se encontram pessoas que falem Euskera, embora ostentem a mesma bandeira «nacional».
Com a Catalunha do Norte (o Roussillhão...) sucede o mesmo: quase (!...) não se encontram pessoas que falem catalão. Só Francês. Com a ditadura franquista, a repressão linguística era total, na Catalunha do Sul (a Catalunya «Peninsular»). Foi o advento da democracia (a burguesa, aquela que era «autorizada» pelos poderes «Ocidentais») tornou-se viável a recuperação do Catalão, do Euskera e do Galego. As consequências identitárias (depois de estarem como que a fermentar) estão a vir ao de cima.
No caso do Euskera, por via do ensino generalizado nas escola, tem estado a aumentar a proporção (ainda minoritária) dos que falam correntemente Euskera. Dadas as características do Euskera, não há hipóteses de «sintese» (ou simbiose...). No caso do Galego há uma espécie de nacionalismo mitigado («soft») na medida em que o idioma Galego (a normativa adoptada) faz com que o pessoal de Madrid julge que na TV Galicia se fala «un Português precioso» (foi a expressão que ouvi...) e o pessoal de Lisboa pense que falam um Castelhano muito fácil de entender. Eu diria aí que o Galego é o verdadeiro «Portunhol»!...
No caso da Catalunya a «coisa fia mais fino» pela simples (…) razão de que o Catalão é um língua suficientemente refinada e evoluída para se reclamar de «desenvolvida e civilizada» (o que quer que isso queira significar). Mas acontece que, quer no País Basco, quer na Catalunha, por causa da sua inserção no Estado Espanhol, ao longo de muitas, muitas décadas, houve uma imigração de milhões de trabalhadores vindos de outras regiões de Espanha.
E assim chegámos (ou melhor chegaram eles...) à situação em que graças à abertura da democracia burguesa (a tal consentida pelos poderes «Ocidentais»...) a Generalitat pôde impôr «à força» o ensino do Catalão em todas as escolas, sem no entanto poder fechar as «fronteiras» que impedissem a «invasão» de castelhanos, andaluzes, leoneses, aragoneses, asturianos ou galegos. Os quais (na sua maioria) não são os «burgueses ricos»que se possa imaginar e também têm direito a voto.

domingo, 26 de março de 2017

A Propósito da Central de Almaraz

A Propósito de Energia Nuclear
Alguns dados fundamentais numa perspectiva  global e de longo prazo
ou
«Uma rudimentar defesa do Nuclear em 3 páginas e 10 parágrafos»
Guilherme da Fonseca-Statter - Oeiras, 5 de Março de 2017
Texto enviado a dois ilustres deputados da Nação, em Lisboa e em Bruxelas

1. Parece que estão em funcionamento em todo o mundo cerca de 400 centrais nucleares de «meia-dúzia» de tipos diferentes. Estas centrais nucleares produzem cerca de 330 GigaWatts/hora. Em 28 de Novembro de 2016, havia em 31 países 450 centrais nucleares com uma capacidade instalada de cerca de 392 GigaW/h. Há também 60 centrais em construção com uma capacidade prevista de 60 GigaWatts. Em termos de comparação, Portugal produz anualmente cerca de 50GigaW/h. As mais antigas têm cerca de 45 anos de uso.
2. A tecnologia nuclear actualmente em uso tem o estigma indelevel da utilização militar de alguns dos seus produtos derivados, em particular as bombas atómicas, assim como os três grandes «desastres» que causaram dezenas de mortes directas e muitos milhares de mortes indirectas. E no entanto o número de mortes atribuíveis à produção de energia nuclear é muito menor do que o número de mortes atribuíveis à produção de outras fontes de energia. De acordo com a revista «New Scientist»1, mesmo contando com o desastre de Chernobyl2 as centrais nucleares existentes (mesmo assim...) têm sido menos mortíferas do que as energias fósseis. Na realidade a energia de origem nuclear (mesmo com a actual tecnologia) tem sido, de facto, menos mortífera do que todas as outras fontes de energia. Até por causa da percepção social de perigo, a energia nuclear tem estado sujeita a muito mais disciplina e controle de qualidade do que todas as outras. Exactamente (e paradoxalmente?...) por parecer muito mais perigosa é que é muito mais controlada, tendo muito menos «desastres». Em 50 anos registaram-se três.
3. Os proponentes de uma tecnologia nuclear alternativa, que não apenas a modernização das actuais variações da tecnologia básica acima referida, designadamente o chamado «ciclo tório» têm duas (ou três...) frentes de «combate» para um maior «tempo de antena»: (a) a má fama da tecnologia nuclear em si mesma, (b) os interesses financeiros/industriais da tecnologia nuclear instalada e (c) os interesses financeiros/industriais das indústrias dos combustíveis fósseis.
4. No caso da «má fama», esse até será o combate mais fácil na medida em que se trata «apenas» de esclarecer os «Verdes»3, de forma tranquila e recorrendo à ciência «pura e dura». No caso do combate aos interesses da da tecnologia nuclear instalada é muito mais difícil pela simples razão de que os modelos actualmente em uso (e mesmo os em desenvolvimento para a chamada Geração III) têm como modelo de negócio a «oferta» das centrais, para depois vender o combustível e o serviço. No caso dos combustíveis fósseis o combate será muito mais fácil e até susceptível de formação de alianças com activistas pela cidadania e pela ecologia planetária.
5. Em contraste com o Urânio, e em termos de efeitos sobre a saúde humana, dir-se-á que o Tório simplesmente não é radioactivo. O Tório é cerca de 4 vezes mais abundante na crosta terrestre e está razovalmente distribuído por todo o planeta. Mas considerando que o Urânio-235 (o isótopo que serve de combustível físsil) é apenas 0,7% do urânio natural, temos que o Tório é cerca de 400 vezes mais abundante. No caso do chamado «ciclo tório» importa referir que o Tório não é solúvel na água pelo que nunca haveria o perigo de contaminação química de rios... Por outro lado o Tório tem estado a ser extraído juntamente com as chamadas «terras raras» (essenciais para a fabricação das electrónicas todas que fazem parte do nosso dia-a-dia), mas tem estado a ser posto de lado (e armazenado em bidões, em armazéns ou ao ar livre...) por falta de utilização. Esse mineral Tório já extraído (e refinado...) possui energia nuclear suficiente para electrificar todo o planeta durante alguns milhares de anos.
6. O Tório como fonte de energia nuclear (alternativa ao urânio...) foi testado durante cerca de dois anos num reactor MSR («molten salt reactor» ou «reactor a sal derretido») inventado por Alvin Weinberg, então director do «Oak Ridge National Laboratory» (Tennessee-EUA)4. Especula-se sobre as razões que determinaram o seu encerramento por ordem do então presidente Nixon. A razão mais avançada é a de que a partir do chamado «ciclo tório» de produção de energia nuclear não era possível fabricar os elementos necessários para a produção de bombas atómicas.
7. A tecnologia associada à produção de energia nuclear a partir do «ciclo tório» é radicalmente oposta (inversa, simétrica...) à tecnologia associada à produção de energia a partir do «ciclo urânio». Esta tecnologia actualmente em uso tem duas (ou três) características fundamentais: (a) água pressurizada (em alguns modelos a pressão chega a ser de 100 atmosferas...), (b) combustível sólido e (c) o Urânio-235 (radioactivo) como combustível físsil.
7.a - No caso do «ciclo urânio» é usada água (água comum purificada ou água pesada) sempre pressurizada, para arrefecimento e produção do vapor que movimenta as turbinas que geram a electricidade. Já se tem dito que uma central nuclear «convencional» não é mais do que uma gigantesca panela de pressão. O que deu origem à necessidade de grandes contentores com paredes de betão reforçado com mais de um metro de espessura, envolvendo «panelas de pressão» de «aço especializado»5. Nesta tecnologia, estes incontornáveis requisitos técnicos aumentam desmesuradamente os respectivos custos de produção.
7.b - Por sua vez na tecnologia associada à produção de energia nuclear a partir do «ciclo tório» o combustível nuclear é processado dissolvido em sal de fluor a temperaturas de cerca de 600 graus centígrados mas à pressão atmosférica normal. O mais que pode acontecer é o sal arrefecer e solidificar. Ou seja, não há risco de explosão. Não havendo risco de explosão não há necessidade de sistemas de contenção de ventilação6 que, nas centrais nucleares convencionais, são supostos prevenir/evitar a saída de «gases poluentes» em caso de acidente.
8. Não sendo radioactivo, o Tório também não é físsil. Ou seja, não «explode» nem serve para ser utilizado como combustível «primário». Trata-se pois de um elemento «fertilizante» que (no processo de produção de energia) dá origem a um isótopo temporário e artificial do urânio (não existente na Natureza...) que é o Urânio-233. É este isótopo do Urânio que, ao cindir-se em cadeia (a chamada fissão nuclear em cadeia) vai dar origem à energia térmica necessária para a produção de electricidade, por meio de turbinas a gás.
9. A «indústria nuclear» de hoje é composta por empresas como Westinghouse, General Electric, Toshiba, AREVA, Rosatom, Babcock & Wilcox que prosseguem os seus investimentos na base de reactores arrefecidos a água e alimentados por dióxido de urânio em estado sólido. Não têm qualquer incentivo para mudar, dado que a tecnologia de «sal derretido» («molten salt reactors» ou MSR), na base do ciclo tório, é tecnicamente incompatível com as tecnologias actualmente em uso. Para essas empresas a adopção do ciclo tório sob a forma de «sal derretido» (e à presssão atmosférica normal...), seria como «começar tudo de novo». Assinale-se que os seus rendimentos estão dependentes da «facturação anual» do combustível sólido utilizado nas centrais. Por outras palavras, pode-se argumentar que o seu negócio não é vender energia eléctrica. O seu negócio será antes vender combustível à base de urânio. É para isso que estão vocacionadas.
10. O facto de o tório ser particularmente adequado para os «reactores a sal derretido» permite também recuperar (por separação química) cerca de 90% dos «desperdícios» gerados na produção de energia. Só que muitos desses «desperdícios» são preciosos produtos radioactivos para uso em medicina. O caso mais recente (1997) é o da «produção» de Bismute-213, fundamental para o tratamento de cancro. Irónicamente, o «Idaho National Laboratory» (EUA) tem estado a usar os «restos» do «MSR Experiment», o tal que foi cancelado em 1969... Quando acabar, acabou.

Para concluir, e nas palavras de Carlo Rubbia, Prémio Nobel da Física e director-geral do CERN entre 1989 e 1993,
«Thorium has absolute pre-eminence over other fuel types, including uranium and fossil fuels».
Frase proferida por Carlo Rubbia durante a «Thorium Energy Conference» em Geneva 20137

1https://www.newscientist.com/article/mg20928053.600-fossil-fuels-are-far-deadlier-than-nuclear-power/  
2As mortes em Fukushima não se devem ao desastre nuclear mas sim ao tsunami. As pessoas que morreram, morreram afogadas, não morreram por «irradiação»...  
3São cada vez mais os movimentos de activistas «Verdes» a aderir ao nuclear alternativo... Ver, por exemplo, em https://www.city-journal.org/html/rise-nuclear-greens-13534.html  
4Vale a pena referir que esta tecnologia foi inventada com o objectivo específico de montar um reactor nuclear em bombardeiros da Força Aérea Norte-Americana que deveriam poder voar semanas seguidas sem necessidade de se reabastecer. Tais reactores tinham pois que ser «ligeiros» e «completamente seguros». O projecto da Força Aérea foi abandonado, por se ter tornado desnecessário com a invenção dos ICBM («Inter Continental Balistic Missiles») e o que ficou foi a tecnologia, a qual entretanto foi remetida ao «esquecimento» pelo governo dos EUA. The Molten-Salt Reactor Experiment (MSRE) was an experimental molten salt reactor at the Oak Ridge National Laboratory (ORNL) researching this technology through the 1960s; constructed by 1964, it went critical in 1965 and was operated until 1969. 
https://www.youtube.com/watch?v=c_yQOPZ5CY0 
5O cilindro contentor de um reactor de água pressurizada, para 1.300 MWh, pode ter 12 metros de altura, um diâmetro interior de 5 metros e paredes de 25 centímetros de espessura.  
6«Filtered Containment Venting System».  
7 http://www.the-weinberg-foundation.org/2013/10/28/nobel-laureate-go-thorium/
Volto aqui depois de mais de um ano de ausência.
A Terra continua a girar, houve entretanto uma série de incidentes mediáticos, o sr. Trump foi eleito, em Portugal há um novo governo, a economia mundial continua em «estagnação inercial» (as «coisas» não param de um dia para o outro...) e em Lisboa acentua-se o processo de gentrificação.
Enfim... «tudo como dantes, quartel general em Abrantes».
Entretanto a energia é o «nó górdio», a base fundamental, de qualquer sistema económico ou de qualquer civilização. Marx diria qualquer coisa como «deêm-me o moinho de água e dou-vos o feudalismo»... Não terá sido bem assim, mas se não foi, «tanto faz».
A questão é que por causa dos combustíveis fósseis, dizem-nos os «verdes» e outros «ambientalistas», temos o perigo eminente de um aquecimento global que, dizem alguns mais exaltados, pode mesmo acabar com a vida na Terra, transformando o nosso planeta, num outro planeta Vénus.
Mas é também por causa do petróleo (um dos tais combustíveis fósseis...) que temos tidos as guerras no Médio Oriente e Norte de África e a respectiva destruição de Estados soberanos.
Vem tudo isto a propósito de uma sessão de debate organizada pela Associação Abril (www.facebook/associação abril) para debater o problema da energia nuclear, no contexto de uma discussão pendente sobre a central nuclear de Almaraz, na Estremadura Espanhola.
Acontece que na minha juventude tive ocasião de estudar Química, com gosto e curiosidade mas também com detalhe suficiente para (na Força Aérea) poder exercer funções de «Oficial Técnico de Armamento e Equipamento». Alguma coisa ficou no que diz respeito a uma continuada curiosidade pela natureza fisico-química da produção de energia em geral, e da energia nuclear em particular.  Tema crucial, repito, para a compreensão da «Economia Política do Desenvolvimento».
E foi assim que fiquei algo surpreendido com o desconhecimento sobre essas questões revelado pela dra. Eloísa Apolónia. (deputada) e pelo dr. Carlos Zorrinho (eurodeputado), «palestrantes convidados», quando aquilo que se ia discutir era justamente a questão da «energia nuclear».
Perante aquele desconhecimento - e na minha santa ingenuidade - resolvi enviar àqueles dois dirigentes políticos um brevíssimo apontamento sobre o tema da energia nuclear.
Até hoje só recebi o «aviso de recepção» (e nada mais) por parte do gabinete da sra., deputada Eloísa Apolónia. Da parte do sr., eurodeputado Carlos Zorrinho, até hoje nada. Mas entretanto o Parlamento Europeu adoptou (com os votos a favor dos eurodeputados do PS) o Tratado Ceta o qual, por «portas travessas», pode vir a encorajar a importação de combustíveis fósseis produzidos no Canadá, contra o parecer ciêntífico de ambientalistas canadianos e norte-americanos.
Numa próxima «postagem» coloco aqui o teor do brevíssimo apontamento atrás referido.