quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Um Outro Paradigma Energético

Fiquei sem computador durante 5 dias...
E enquanto o dito cujo estava a ser reparado, entretive-me a ler (em papel) alguns documentos/artigos que fora imprimindo ao longo dos últimos meses. Designadamente sobre questões de energia, meio ambiente e aquecimento global.
Entretanto, uma das coisas, mais interessantes, que me foi confirmada numa tertúlia há uns dias atrás, foi o facto – só aparentemente paradoxal ou bizarro – de que estamos numa situação de «aquecimento global» por causa da «guerra fria» e das bombas atómicas.
Como assim?!...
Que é que a «guerra fria» e as bombas atómicas têm a ver com poluição e aquecimento global?...
Dizem alguns engenheiros que é uma explicação simples, mas «escondida à vista de toda a gente»...
Dizem também que a energia nuclear à base do urânio foi escolhida (em vez de tórium) porque o processamento do urânio (ao contrário do tório) era necessário para a produção de bombas atómicas.
Dizem ainda que a produção de energia nuclear a partir do tório não deixa resíduos que sejam susceptíveis de serem aproveitados para fazer bombas atómicas.
Depois acontece que o uso de tório seria cerca de 200 vezes mais eficiente do que o uso de urânio. É o que dizem os engenheiros que estudam esses problemas...
Depois, dizem também eles, que o processamento do tório, para produzir energia eléctrica é muito, muito menos perigoso do que o processamento do urânio... E depois, e ainda por cima, seria também muito, muito, menos poluente do que o carvão, o petróleo ou mesmo o gás natural...
A Associação Nuclear Mundial (http://www.world-nuclear.org/) explica assim alguns dos seus possíveis benefícios:
«O ciclo de combustível do tório oferece enormes benefícios de segurança de energia no longo prazo, devido ao seu potencial para ser um combustível auto-sustentado sem necessidade de reactores de neutrões rápidos. Trata-se portanto de uma tecnologia importante e potencialmente viável que parece apta a contribuir para o desenvolvimento de cenários credíveis de energia nuclear a longo prazo. Moir e Teller concordam, fazendo notar que as possíveis vantagens do tório incluem a «utilização de combustível em abundância, a sua inacessibilidade a grupos terroristas ou o seu uso para a elaboração de armamentos, além de vantagens económicas e de segurança ambiental. Segundo Richard Martin (escritor/cientista) o tório é considerado a fonte de energia mais abundante, mais rapidamente disponível e mais limpa.»
Os especialistas dizem também que o uso do tório para a produção de energia é cerca de 200 vezes mais eficiente do que o uso de urânio. 
Uma outra vantagem que eles apontam é o facto de - dada a segurança inerente ao seu uso - as centrais poderem estar muito mais perto das zonas de grande consumo. 
Mas, como é claro, natural e evidente, há muitas, muitas opiniões em contrário.

E depois há que justificar (e amortizar) os investimentos já feitos em outras «fontes de energia»...
Em todo o caso, a China e a Índia parece que estão a avançar...
E a França e Reino Unido – que vão precisar, mais cedo do que tarde, de renovar as suas centrais – parece que também já estão a «ensaiar uma central nuclear com base no tório.
http://www.the-weinberg-foundation.org/2013/03/13/uk-joins-test-reactor-project-in-france-with-12-5m-commitment/
A ver vamos...

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

A propósito dos ataques terroristas em Paris

A poeira ainda não assentou mas mesmo assim é tempo de lembrar o que pode estar por detrás disso tudo...
Cheira-me a petróleo.
Parece que tudo isto (da guerra civil na Síria e da criação do Daesh-ISIL, ou lá como se chama aquela organização criminosa) tem tudo a ver com o controle do petróleo (e de passagem do gás natural), sendo que para ali existe muito gás e algum petróleo. Aliás dizem que o Mediterrâneo Oriental (as costas da Síria, do Líbano e de Israel tem MUITO gás natural (chega até aos mares da Grécia)...
Muitos se lembram certamente, aquando da «crise» e chantagem sobre o Syriza na Grécia, de como se aventou a possível exploração do muito gás natural (dizem) que por ali há por parte dos gregos como solução para os males que alfigem aquele país. 
Ora acontece que o Estado Sírio (o regime dirigido por Bashar al-Assad) se recusa a privatizar a sua companhia nacional de petróleo... Coisa que certamente iria facilitar a vida ao seu regime, pois que permitiria às grandes empresas anglo-americanas repartir o bolo das vendas mais de acordo com as suas conveniências.
E depois há também a estória de através da Síria se poder traçar um trajecto mais curto para transportar o petróleo do Golfo até à Europa... Sem pagar «portagem» no Canal de Suez, por exemplo...
Sem entrar em teorias da conspiração (factos são factos...), depois da Saddam Hussein e de Muammar al-Kadafi restava «deitar abaixo» mais um «resistente aos ventos da privatização» dos recursos naturais de cada país. Tudo isso para benefício das populações de todos os outros países, claro...
O que «eles» (os donos disto tudo) não fazem para eu ter gasóleo...

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

A Propósito dos 30 Anos do Multibanco

Dizem nos jornais que passaram agora 30 anos desde o arranque do sistema Multibanco, o qual é usualmente considerado único no mundo pela variedade das suas múltiplas funções. Não se trata apenas de um grande agregado de máquinas de distribuição de dinheiro contra a apresentação de cartões de crédito ou de cartões de débito. É, de facto, muito mais do que isso.
«Há 30 anos que o MULTIBANCO “Movimenta a Vida” dos portugueses com toda a comodidade, segurança e fiabilidade. Só no passado mês de Julho, a Rede MULTIBANCO atingiu um novo recorde mensal alcançando um total de 210 milhões de operações processadas. Mas já imaginou como seria sem o MULTIBANCO? Se não existisse a Rede MULTIBANCO, não seria possível fazer acções tão simples como pagar a água à meia noite ou emitir uma licença de caça ao sábado de manhã. Teríamos de esperar horas em filas para comprar um bilhete de comboio em vez de o fazer sentados no sofá em casa, por exemplo. Ou teríamos de andar com a carteira com moedas para pagar as portagens, em vez de o fazer com o cartão. O MULTIBANCO é, sem dúvida, uma Marca que já faz parte da vida dos portugueses, facilitando as atividades do dia-a-dia».
Do sítio da SIBS.
A esse respeito tenho dito em diversas ocasiões que essa característica (de ser muito mais do que um conjunto de máquinas de distribuição de dinheiro...) e por muito estranho que isso possa parecer a muitos espíritos bem pensantes, se deve ao chamado período do «gonçalvismo». Isso por causa da nacionalização da banca. Entretanto e a esse respeito convém lembrar a «tensão dialéctica» que se desenvolve de modo permanente entre a concorrência e a cooperação entre os diversos agentes económicos, sempre em busca de novas oportunidades de negócio. O mesmo acontece entre os bancos. Entregues a si mesmos procuram ao mesmo tempo, ainda que de modos distintos, cooperar no que diz respeito a conluios para manipular taxas de juros, por exemplo, mas também concorrer pelo dinheiro de todos e quaisquer potenciais depositantes e de pedidos de crédito.
Para caracterizar devidamente o sistema Multibanco são precisas algumas advertências preliminares. Em primeiro lugar, no universo das actividades bancárias ditas de retalho, é conveniente não confundir coisas e funções diferentes umas das outras. Por exemplo convém não confundir cartões de débito com cartões de crédito, duas formas distintas (ainda que complementares) de dinheiro plástico. Em segundo lugar convém não confundir, por um lado, muitos ATM's (ou caixas automáticos) com, por outro lado, um sistema integrado de máquinas e programas que propiciem múltiplas funções monetárias. Em terceiro lugar convém não confundir um sistema integrado de terminais em rede (para proporcionar as referidas funções monetárias), com os múltiplos serviços de cariz mais ou menos similar (mas nem sempre...) disponíveis na rede global «internet».
De facto a informatização de todas as actividades económicas e das actividades financeiras em particular tem permitido o desenvolvimento de sistemas de registo e controle de informação que, até há poucas décadas atrás, poucos de nós imaginávamos. No caso do sistema Multibanco, por exemplo, quando o mesmo foi proposto duvido que os mentores iniciais tivessem à partida uma ideia de que «aquilo» se pudesse vir a transformar no sistema que temos hoje (ViaVerde, Impostos, transferências entre contas, pagamento de facturas, licenças de pesca e etc…)
Entretanto, e por um daqueles acasos da pequena história do planeta, caiu em sorte a este escriba o estar lá (na empresa multinacional de informática) no lugar certo e no momento adequado para estar bem no centro de um processo então em fase de arranque embrionário. «Proposal Team Leader» seria a designação (que veio mais tarde, no jargão empresarial) que então caberia a este escriba na elaboração do estudo técnico-comercial que deu origem à elaboração da proposta técnico-comercial (também de sua co-responsabilidade) que veio a dar origem ao Multibanco. Muito prosaicamente, poderá dizer-se que este comentador foi quem (juntamente com mais dois colegas) fez a venda do sistema multibanco.
A quem procure informar-se, não parece fácil encontrar as raízes do sistema Multibanco, quando o próprio sítio «internético» da SIBS (proprietária e gestora do sistema) não fornece a esse respeito qualquer informação. Algo de estranho se considerarmos que a maioria dos sítios disponíveis de muitas outras instituições financeiras por esse mundo fora fazem questão de mostrar as suas origens. Se eu fosse dado a «teorias da conspiração» suspeitaria que alguém parece ter vergonha das suas origens «revolucionárias». 
A respeito das raízes históricas do Multibanco e da SIBS o mais que consegui, na pesquisa rudimentar a que pude proceder, para complementar memórias pessoais, foram alguns elementos que passo a elencar.
Para além de uma breve referência à história da introdução de cartões de crédito em Portugal (tal como assinalei acima, convém não confundir...) por iniciativa de responsáveis do Banco Português do Atlântico e do Banco Totta & Açores, a partir de uma reunião em Roma em 1969 «destinada a sensibilizar os quadros da banca europeia para a provável expansão dos cartões de crédito e, sobretudo, para que não se incorresse na Europa nos mesmos erros que haviam sido cometidos nos Estados Unidos neste domínio»1, pouco mais se encontra que relate, com um mínimo de detalhe, as origens da SIBS e do sistema Multibanco.
Entretanto, e na opinião do Engº Sebastião de Lancastre, então Director-Geral da Unicre, à «Revista Unibanco» (Março e Junho de 19941) «o sucesso dos meios de pagamento via cartão de plástico em Portugal, ao ponto de estarmos há vários anos perfeitamente a par dos países mais avançados deste campo, se deve fundamentalmente ao facto de se terem tomado entre nós as decisões certas nos momentos certos. Isso é válido tanto para a decisão de criar a Unicre em 1971 como iniciativa conjunta de seis grandes bancos, por mérito, coragem e visão dos quadros superiores bancários a que me referi atrás, como também para a decisão da criação da SIBS em 1981. Neste último caso, é justo que cite aqueles a quem se deve a sabedoria de avançar para uma empresa integrando os vários bancos: Dr. Rui Vilar, Dr. Almerindo Marques, Dr. Palmeiro Ribeiro e Dr. Ribeiro Moreira».
Entretanto, a julgar pelo teor das muitas conversas em que participei na altura, assim como pelo teor do caderno de encargos que tive que estudar ao pormenor, a ideia original dos objectivos estratégicos do sistema que então se perspectivava, parece dever ser creditada principalmente ao acima referido dr. Palmeiro Ribeiro (que este escriba nunca teve o privilégio de conhecer, pois o mesmo já parecia estar afastado do processo).
Poderia este escriba falar sobre “N” discussões «mais ou menos técnicas», designadamente as discussões que vieram dar origem ao PIN de 4 (quatro) dígitos, em vez dos seis que estavam propostos. Para já não falar de um projecto de uma espécie de «contabilidade nacional» (fazia parte do caderno de encargos) e então rejeitado por este escriba por ser demasiado avançado («economia planificada centralmente» à la Janos Kornai 2).
Este escriba tomou conta do processo em 1982/83. Em 1984 já a venda estava concretizada e o processo de instalação e arranque do sistema em andamento. A questão do «gonçalvismo» (que passa despercebido da quase totalidade dos comentadores actuais por não pensarem bem no problema) é simples: se bem me lembro foi por determinação da Secretaria de Estado do Tesouro, a quem cabia a tutela dos bancos comerciais (então ainda todos nacionalizados), que em 1982 todos os bancos aderiram ao sistema SIBS então ainda em formação. Os bancos estrangeiros (se bem me lembro, o BOLSA-Bank of London and South America e o Crédit Franco-Portugais) aderiram porque não tinham alternativa. Não podiam arriscar-se a ficar de fora. O mesmo aconteceu com o Montepio. Nos outros países não há nada de parecido com o o Multibanco justamente porque a nesses outros países (em todos…) os bancos comerciais privados fazem entre si concorrência. O que temos são esboços (que agora começam a desenvolver-se mais …) de alguns bancos que fazem entre si «acordos de cooperação». Mas nada que se compare com o Multibanco.

Pois a esse respeito talvez mereça a pena uma outra reflexão que tem a ver com o uso da tecnologia que vais sendo desenvolvida para benefício da colectividade (ou não...).
Confesso que conheço mal os meandros da Justiça portuguesa. Já tive ocasião de entrar em vários tribunais, já fui testemunha e observador interessado em «meia-duzia» de processos e tive ocasião de observar, com alguma atenção, os procedimentos, mais ou menos arcaicos, que vão sendo adoptados. São do conhecimento geral expressões como «a Justiça não funciona», «estão sempre a prescrever processos importantes», «a Justiça é só para os que podem pagar»... etc., etc. Entretanto, embora tenha um longo percurso profissional numa área profundamente tecnológica, não penso ser um tecnocrata, no sentido de que acho que «isto» não vai lá só (nem sobretudo) com soluções técnicas.
Vem isto a propósito de em tempos ter tido ocasião de ouvir o dr. Marinho Pinto dizer na televisão que os procuradores do Ministério Público não têm acesso directo a bases de dados de entidades (se bem me lembro, posso estar enganado nos detalhes) como as Conservatórias Prediais ou das Repartições de Finanças. E aí cabe perguntar como é ainda possível, num país que se gaba, com toda a razão, de ter o sistema de transacções interbancárias (e não só...) mais avançado do mundo. Se temos em Portugal inteligência e conhecimento tecnológico para desenvolver, e manter a funcionar, um sistema como o sistema multibanco, como é que não somos capazes de montar e manter a funcionar um sistema informático que permita a qualquer agente do Ministério Público (ou a qualquer agente das autoridades públicas, devidamente autorizados) a aceder instantaneamente a toda e qualquer informação necessária e relevante para a investigação criminal, designadamente os crimes de colarinho branco.
E depois lembrei-me (esquecido que eu sou...) de que o sistema multibanco só foi possível por causa do «gonçalvismo»... Logo, uma solução eminentemente política.
De facto, os outros países também têm engenheiros informáticos e programadores de
computadores de altíssima qualidade. Todos os bancos desses outros países têm também ATM's (caixas automáticos) em todas as esquinas... O que não têm é um sistema multibanco... Repito: se somos capazes de ter um sistema com a sofisticação e capacidades do sistema multibanco porque raio de razão é que não somos capazes de ter um sistema informatizado que ligue todos os tribunais, de todo o país, com acesso (devidamente regularizado) por parte de todos os agentes da Justiça?!...
A quem é que isso não interessa?...
Pelos vistos vai ser preciso um novo período de «gonçalvismo»...

1 Revista Unibanco (Março e Junho de 1994)
2 Economista húngaro (nascido em 1928) que se tornou conhecido pela crítica do sistema de planificação central mas que não deixava de sublinhar também o eventual papel da informática como precioso auxiliar para a simulação e controle da economia de mercado por parte das instituições políticas...

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

A propósito de um editorial no Jornal de NEGÓCIOS (13 de Agosto de 2015)

Escreve Nuno Carregueiro 
«O perigo da queda dos BRIC»
«Se a pujança dos BRIC serviu no passado para atenuar o efeito do crescimento decepcionante nas principais potências mundiais, como os EUA e a Alemanha, a sua queda pode ter consequências imprevisíveis na economia global.»

É verdade, aquilo pode ter «consequências imprevisíveis na economia global.» Ou talvez não sejam tão imprevisíveis assim...
A ver se eu consigo explicar isto em «meia-dúzia» de parágrafos...
1. A economia global - o planeta como um todo - entrou em estagnação mais ou menos há uns 40 anos.
2. Durante uns primeiros anos houve baldúrdia e confusão mas depois inventaram o consumo generalizado a crédito (nos países do «centro») e a «coisa» disfarçou...
Ou seja, «empurraram o problema com a barriga»... Ou varreram o «lixo» para debaixo do tapete.
3. Entretanto os países da «periferia» de maior dimensão - muito em particular a China - com tradição («institucionalizada»...) de «dirigismo estatal», os que vieram a ser chamados de BRICS, começaram a crescer e, durante uns anos, reanimaram a dita cuja «economia global».
4. A «economia global» é um sistema fechado (não exporta nada para Marte nem importa nada de Vénus...). Ou seja, está tudo interligado. O que se exporta para um lado tem que ser importado por outro lado qualquer. E todos os países querem uma impossibilidade matemática (terem todos excedentes na respectiva balança de transacções).
5. Com o rebentar da crise da bolha financeira dos «subprime» - exemplo máximo do consumo a crédito - e sua propagação ao resto do planeta, tornou-se mais visível a estagnação relativa (há uns tantos que continuam a «engordar» dando a ilusão de que o sistema não está estagnado) da economia global.
6. A economia de comando estatal chinesa, também já foi - de há uns anos a esta parte - «infectada» pela lógica intrínseca do sistema capitalista.
E, como tal, mais tarde ou mais cedo teria que entrar em estagnação «local».
A menos que o Estado chinês - por via do Partido Comunista Chinês - tome decisões adequadas (orientadas para o mercado interno) e que sejam contrárias àquela lógica intrínseca do sistema capitalista, estamos todos bem encaminhados para o desastre global.
7. Tudo isto - toda esta «lógica intrínseca» - está dependente (de modo crucial e incontornável) de uma coisa chamada «lei da queda tendencial da taxa de lucro».
Algo que ando a procurar explicar (a quem me quer ouvir, claro...) desde há uns 35 anos anos a esta parte.
Entretanto, e como diria Keynes, «prefiro estar vagamente certo do que exactamente errado»...

quinta-feira, 30 de julho de 2015

São tantas as explicações para a Crise

Fui há dias comprar o livro do economista Ricardo Paes Mamede, «O Que Fazer Com Este País». De passagem dei uma olhada pelos escaparates e mesas com livros sobre temas da actualidade. Coisa que - em Portugal - já não fazia há umas semanas.
Pelos vistos, qualquer visita a qualquer livraria dá para ver algumas dezenas de livros a explicar a crise e a discutir a dívida... Também há alguns livros a explicar como sair da crise e os meandros da corrupção e de «como chegámos aonde estamos»... Sobre isso cada um que faça as suas leituras e as suas opções.
Para já vou ler o livro com todo o interesse que o mesmo merece e até pelo respeito intelectual que me merece o Ricardo.
Entretanto - e porque o panorama livreiro em França é muito parecido - deu-me para deixar aqui algumas reflexões sobre a «CRISE».
E começo com algumas ideias fundamentais sobre a análise marxiana do sistema capitalista. Depois de algum estudo da referida análise marxiana direi que o edifício teórico desta análise assenta sobre dois grandes pilares:
1. Em primeiro lugar destaco o estudo da relação entre "valores" e "preços". 

Sobre isso há dezenas (julgo mesmo que centenas) de artigos sobre o famigerado «problema da transformação (de "valores" em "preços de produção"). Em tempos dei-me ao trabalho de traduzir «meia dúzia» desses artigos. Terei muito gosto em enviar os PDF's a quem estiver interessado.
Caracterizam-se todos por extensos e complexos exercícios matemáticos.
Para mim a explicação é razoavelmente simples e reside no reconhecimento do papel instrumental (...) dos "preços" na captação de "valores".
2. Em segundo lugar destaco o estudo sobre uma (muito discutida) lei da queda tendencial da taxa de lucro. 

Como a busca do lucro é o motor de toda a actividade empresarial capitalista, é no mínimo insólito que este assunto - do comportamento evolutivo da taxa de lucro - não mereça mais atenção mediática. Estou aqui a lembrar-me da atenção mediática dada à «descoberta do "bosão de Higgs"» (coisa crucial para a vida de milhões desempregados...).
Sobre essa famigerada lei da queda tendencial também há centenas de artigos mas - devo assinalar - tudo isso nos círculos esotéricos de alguns meios académicos. E no entanto é isso - o comportamento da taxa de lucro - que, tal como as "fundações" dos prédios que fazem os engenheiros civis, está na base dos sobressaltos todos da nossa vida económica.
Entretanto, aqui há uns atrás veio um senhor economista matemático japonês - de seu nome Nobuo Okishio - demonstrar por «a + b» que afinal não só não há nenhuma queda tendencial da taxa de lucro, como até o que há é uma subida tendencial da dita cuja taxa de lucro. Segundo Parijs (1980) o assunto ficava encerrado e não valia a pena falar mais nisso.
Pois bem, reclamo para mim o mérito (?...) de ter demonstrado, por via de um algoritmo elaborado já há uns trinta e cinco anos, que «está quase tudo certo e está quase tudo errado»... O estudo de Hegel dá nisto...
Quero eu dizer que há umas fases em que a taxa de lucro tende a subir e depois há umas fases em que tende a descer... E pelo meio há uns períodos de «transição de fase».
Era tão bom se houvesse gente com poder político que quisesse perceber isto.
E se a minha avó tivesse asas voava.

domingo, 12 de julho de 2015

«A Dívida Pública liquida da Grécia é de 18% do PIB, não 175%. E a da Alemanha?»

Pelo seu interesse, transcrevo para aqui um artigo de opinião da revista FORBES publicado em Janeiro deste ano de 2015 e no qual «acabo de tropeçar»...

http://www.forbes.com/sites/panosmourdoukoutas/2015/01/22/greeces-net-debt-is-18-of-gdp-not-175-whats-germanys/

Escreve Panos Mourdoukoutas, colaborador da revista FORBES:

«Antes de impor à Grécia mais uma ronda de austeridade, a Alemanha deveria corrigir o seu próprio problema de contabilidade – calculando a dívida grega, e a sua própria, usando normas internacionais aceites. Enquanto os cidadãos gregos vão votar este Domingo, os funcionários alemães não deixaram passar a oportunidade de lembrar a Grécia de que tem que cumprir as suas obrigações da dívida. Isto significa adoptar uma austeridade sem precedentes a qual tem deprimido a economia grega.
O problema é que a Alemanha tem estado a sobre estimar a dívida grega ao não seguir os padrões do «International Public Sector Accounting Standards (IPSAS)» os quais medem os compromissos e os activos ao longo do tempo.
De acordo com o Professor Jacob Soll, os padrões IPSAS são similares aos que são utilizados pelos principais governos, bancos e investidores em todos os níveis. «De facto, a dívida foi calculada como sendo maior do que realmente é ou seria se tivessem sido usados os padrões "IPSAS", escreveu Soll num recente artigo no New York Times.
Exactamente em quanto foi sobre estimada a dívida grega?
A resposta pode encontrar-se em www.freegreece.info.
Se forem aplicados os padrões do "IPSAS Board" para calcular a dívida grega, a dívida líquida é de 18%, não 175% do PIB. E qual é a situação no caso da Alemanha seguindo os padrões do "IPSAS Board"?... 46% do PIB.
Isto quer dizer que a situação da dívida da Grécia é melhor do que a da Alemanha!
Então porque razão a Alemanha não usa (o padrão) IPSAS para calcular a dívida grega?...
De acordo com o profesor Soll, por duas razões.
Escreve este autor que, em primeiro lugar, (os alemães) não aplicam (os padrões) IPSAS na sua própria casa. «Um facto pouco conhecido é que os alemães também não usam (os padrões) IPSAS e têm padrões de contabilidade pública notavelmente opacos».
Em segundo lugar, mantendo-se fora dos (padrões) IPSAS, a Alemanha pode manter a Grécia em rédea curta ao mesmo tempo que mantêm a dívida grega fora dos seus livros de contabilidade.
Escreve Soll que «uma razão poderá ser que os alemães se têm recusado a apreçar razoavelmente a dívida ou a reportar correctamente o seu valor, o que significa que, no curto prazo, extraem dos Gregos mais austeridade do que deviam e também porque assim mantém estes empréstimos fora dos registos do balanço orçamental pois que os mesmos apareceriam como perdas sob qualquer padrão legítimo de contabilidade».
(uma forma mal encapuçada de transferir para os gregos as perdas dos bancos alemães, as quais deveriam ter sido suportadas pelos contribuintes alemães, digo eu - GFS)
Na nossa opinião há uma terceira razão. Sobre estimando a dívida soberana dos países do Sul da Europa, aumenta-se a ansiedade nos mercados de câmbios, deprimindo o Euro e potenciando a máquina exportadora da Alemanha».
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Jacob Soll é autor de diversos livros sobre a História da Dívida e das práticas de contabilidade ao longo da História, designadamente «The Reckoning: Financial Accountability and the Making and Breaking of Nations». Há uma tradução em Português («O Ajuste de Contas»).

Para saber coisas sobre o IPSAS, pode visitar-se o portal da «International Federation of Accountants» em http://www.ifac.org/public-sector

terça-feira, 16 de junho de 2015

A propósito da «venda» da TAP

 ... E a pensar em alguns comentários encontrados no Facebook.

Ponto 1. Não há como separar a Política da Economia. Ou seja, não há problemas económicos separados (distintos, alheios a...) problemas políticos. Aliás a disciplina que estudava isso tudo começou por se chamar Economia Política... Era isso que estudavam Adam Smith, David Ricardo, John Stuart Mill e tantos, tantos outros. Até que inventaram uma coisa chamada «Economics»...
Ponto 2. Importa separar o nível analítico da «gestão empresarial» dos níveis analíticos (ou perspectivas) da «gestão financeira», da «contabilidade de custos»...
Ponto 3. Importa também distinguir a questão da «gestão empresarial» da questão da «propriedade do capital».
Ponto 4. As pessoas que defendem a ideia de que o «Estado» (a colectividade politicamente organizada e soberana) tem que ser menos bom gestor do que o «Privado», são as pessoas que devem demonstrar tal facto, quer em termos de «dedução teórica» (recorrendo aos saberes das disciplinas da Psicologia Social e das Técnicas de Gestão, por exemplo...), quer em termos de evidência empírica (dando exemplos históricos suficientes...).
Ponto 5. Pela minha parte estou disponível para dar exemplos do contrário. Ou seja, que foi a iniciativa pública (decisão do poder soberano de alguns Estados) que esteve na origem de algumas das maiores e melhor sucedidas empresas do mundo.
Ponto 6. Tal como a Estatística, sendo uma disciplina rigorosa, pode ser manipulada e/ou instrumental na defesa de interesses escondidos, também a Contabilidade («arte dos registos económicos»...) pode ser (e tem sido muitas vezes...) utilizada para esconder realidades económicas objectivas. Os exemplos recentes são mais que muitos... Todos se lembrarão ainda do escândalo da ENRON e do conluio com uma das (então) mais prestigiadas firmas de contabilidade. Não é por acaso que o povo diz algo como isto, «com a verdade me enganas».
Ponto 7. Tudo isto - todos estes processos de privatizações «a mata cavalos» - deve ser visto de uma perspectiva histórica de médio/longo prazo. Tal como explico em alguns dos meus livros, estamos perante um processo em que os donos do Capital (na sua expressão financeira...) perante uma situação histórica de «esgotamento progressivo (e matematicamente relativo - sublinho o relativo) das oportunidades de investimento reprodutivo de bens e serviços (há dinheiro a mais e «casas», «roupas» e «automóveis» também a mais para o poder de compra disponível), pois esses donos do Capital (na sua expressão financeira...), viram-se para outras aplicações: comprar o que já existe (e que até estava no domínio público - as estradas... - e, significativamente, a dívida pública.
Ponto 8. É desta perspectiva que eu analiso (e critico...) a privatização da TAP. O resto, com todo o respeito e simpatia, são detalhes de «lana caprina»...

sábado, 24 de janeiro de 2015

As Agências de Notação de Risco - Um novo livro de Delfim Vidal Santos

Sobre o livro de DELFIM VIDAL SANTOS

«AS AGÊNCIAS DE NOTAÇÃO DE RISCO
E A CRISE FINANCEIRA PLANETÁRIA»

Uma primeira reflexão pessoal:
Tudo isto da economia, das finanças, da política e da sociedade em geral está profundamente interligado... No sistema económico e financeiro em que vivemos há toda uma panóplia de diferentes tipos de agentes.
Desde os agentes públicos – supostamente responsáveis pela regulação e governação do sistema e que são supostos agirem em defesa daquilo que se defina como sendo do interesse público – até aos agentes estritamente privados e que, naturalmente, actuam na procura incessante do seu próprio benefício.
Em qualquer dos casos e mesmo no interior dessas duas grandes categorias de agentes sociais há toda uma enorme diversidade de tipos de agentes sociais, muitas vezes com interesses distintos e mesmo divergentes. Só a título de exemplo, haverá os banqueiros, os industriais, os agricultores, os quadros dirigentes, os trabalhadores em geral e os operários em particular, haverá ainda os múltiplos profissionais, os camponeses...
Por outro lado, os efeitos a posteriori das decisões e actuações de todos esses tipos de agentes, não são discerníveis de modo uniforme, todos esses efeitos têm temporalidades específicas: uns revelam-se em poucos minutos... Em contraste, outros efeitos levam alguns anos a virem ao de cima.
Junte-se a tudo isto um paradigma interpretativo – ou uma mundivisão – que reduz todos os agentes sociais à figura de «homo economicus» e teremos o caldo perfeito para a não compreensão dos fenómenos da Crise.
Estamos pois perante um fenómeno claramente hiper complexo com multiplos circuitos de retroacção positiva e negativa que, por sua vez vão afectar o comportamento emergente do sistema plítico, social e económico.
Nesse contexto este livro – dedicado ao estudo detalhado das agência de notação de risco e seu papel no sistema económico como um todo – é claramente um livro oportuno e que vem preencher um lacuna na discusssão dos problemas da crise da dívida e de como viemos a chegar à situação em que nos encontramos.
Essa lacuna era justamente o estudo detalhado do comportamento de um determinado tipo de agentes ou actores sociais: as agências de notação de risco.

Uma segunda reflexão pessoal.
Quando fui convidado para fazer uma apresentação deste livro e no que diz respeito à qualidade científica do texto fiquei à partida descansado pois que o mesmo tinha a chancela, ou selo de garantia, de uma escola como a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Nesse sentido aquilo que mais me impressionou na leitura que fiz, foi a enorme quantidade de informação coligida pelo autor, assim como a forma bem estruturada como o texto foi organizado. Nesse sentido ficamos todos em dívida de cidadania para com Delfim Vidal Santos.

De facto o estudo de como - ainda que com toda a legalidade - dois ou três agentes privados vieram ao longo de algumas décadas e à vista de toda a gente a assumir funções «quase-soberanas» de regulação económico-financeira, era algo que, pelo menos em Português, estava a fazer falta.
Entretanto, já há alguns anos atrás que instituições como o Conselho Mundial dos Fundos de Pensões criticaram o facto de os governos da União Europeia terem imposto de forma dogmática a adopção das recomendações ditas de «Basileia II» adoptadas em 2005 e transpostas para as normas legais da União Europeia através da Directiva sobre os Requisitos de Capital, com efeitos a partir de 2008.
Uma tal directiva obrigou os bancos europeus e o próprio Banco Central Europeu a utilizar de modo imperativo as avaliações de crédito padronizadas por duas ou três empresas privadas, utilizando assim a política pública e por conseguinte o dinheiro dos contribuintes para reforçar o poder de mercado de um restrito cartel privado.
A este respeito, chamo a atenção para o facto de o Banco Internacional de Compensações ser um exemplo paradigmático da interpenetração de funções soberanas com interesses privados dos quais, interesses privados, se espera no entanto que actuem no interesse público... Referindo-se ao papel das agências notação de risco, como assinala um pequeno artigo da incontornável «Wikipedia», «Ironicamente os governos europeus abdicaram de um componente crucial da sua autoridade regulatória em favor de um cartel privado, não Europeu e altamente desregulado»

De resto, e passando ao livro propriamente dito, o mesmo está estruturado em cinco partes distintas:
Uma primeira parte é dedicada à
Análise Cronológica e Material da Crise Financeira, sua Evolução e Causas Justificativas. Deficiências e Conflitos de Interesses.
Nesta primeira parte o autor chama a atenção para uma série de factos e indícios, anteriores ao despoletar visível da crise financeira e que apontam claramente para actuação delituosa ou fradulenta por parte de pelo menos alguns executivos das principais agência de notação de risco.
Alguns intervenientes e observadores do desenrolar da crise, como foi o caso do CEO da DAGONG – uma nova agência de notação de crise de iniciativa chinesa, foram mesmo ao ponto de afirmar que a crise financeira terá sido despoletada pela Agências de Notação...
Para alguns desses observadores, não estaremos perante uma crise económica, mas sim perante uma crise de notação financeira.
Nessa primeira parte o autor faz também uma análise crítica da evolução da zona monetária do Euro com referência à teoria das zonas monetárias óptimas, chamando a atenção para os paradoxos da construção da União Europeia.
Temos também uma breve discussão de como as Agências de Notação de Risco entraram em força no despoletar da crise financeira e, mais concretamente, na sua participação no mercado das hipotecas subprime.
O autor chama assim a atenção para a evolução paradoxal das Agências de Notação de Risco que se transmutaram de «analistas de mercado» emitindo notações de risco a quem pretendia investir, para uma realidade antagónica, em que eram contratadas pelos emitentes de dívida para credibilizar os seus títulos, independentemente das suas eventuais falhas» e conflitos de interesse.
No que respeita ao comportamento organizacional das Agências de Notação de Risco, ainda que de uma forma implícita – mas também explicitando com exemplos – o autor chama a atenção para o conservadorismo das avaliações em «tempos de vacas gordas» (palavras minhas) e para a reacção exagerada quando surgem «incidentes inesperados»...
Estaremos aqui perante um bom exemplo da não compreensão da dinâmica profunda da economia, por parte dos «especialistas» das Agências de Notação de Risco.
Entretanto e refiro de passagem uma frase do autor citando um dirigente politico norte-americano a propósito das inquirições à posteriori sobre a Crise: «Não se pode fazer triliões de dólares em hipotecas sem que ninguém reparasse no que se passava»... Vem isto a propósito do fenómeno mais escandaloso da chamada «securitização» – ou transformação de hipotecas em «titulos de dívida» genéricos... Pondo tudo num só pacote... Foi de facto o «grande empacotamento»! Ou, se preferirem, o «grande embrulho»... De facto muitos «investidores» de todo o mundo foram bem embrulhados e as Agências de Notação de Risco tiveram nesse esquema um papel determinante.
Faço aqui uma outra e breve observação pessoal.
Nos EUA – como em certa medida noutras jurisidições – não há propriamente uma estrutura institucional bem integrada de regulação financeira. Desde logo porque uma definição do que é uma actividade financeira não é simples e directa... O que temos é então um agregado de agências com diferentes áreas de jurisdição em termos da sua regulação específica...
Junte-se a isso a possibilidade de escolha de regulador (banca por atacado, banca de retalho, seguros, crédito imobiliário) por parte de cada operador nos diversos mercados (distintos por tipo e por geografia...) e temos o caldo perfeito para a não regulação como regra normal...
Entretanto chamo aqui também a atenção para o facto de as Agências de Notação de Risco olharem para as «árvores» – uma a uma – mas não tanto para a «floresta»...
Por outro lado vão quase sempre atrás dos acontecimentos, oscilando entre o optimismo e o pessimismo exagerados...
Teremos ainda o pensamento politicamente correcto no interior deste tipo de empresas – tal como em qualquer outra organização empresarial - e o comportamento dos agentes, condicionado pela conformidade institucional ou de grupo.

Temos sem seguida uma segunda parte em que o autor estuda detalhadamente o objecto da Notação de Risco e da Arquitectura Institucional que levou à privatização de uma faceta de uma função sistémica muito importante: a da regulação do funcionamento e da fiscalização da idoneidade dos agentes intervenientes nos mercados financeiros.
O autor faz aqui também uma chamada de atenção para o modo como as agências de notação de risco passaram de um foco de atenção (ou falta dela...) relativamente às notações – encomendadas, saliente-se - dos título ditos de «subprime», para uma atenção particular para as notações – não encomendadas, saliente-se também - das dívidas soberanas.

Numa terceira parte, Delfim Vidal Santos faz uma interessante identificação das deficiências da arquitectura que assim se foi desenvolvendo – no jargão das novas ciências da complexidade diriamos que foi «emergindo» - sem que tivesse havido um qualquer «plano central» que explicitamente apontasse nesse sentido, chamando o autor a atenção para os múltiplos conflitos de interesse, assim como as muitas oportunidades para o aparecimento de disfuncionalidades sistémicas.

Numa quarta parte, o autor elabora uma breve síntese das propostas de solução – que entretanto têm vindo a ser discutidas - para atenuar os riscos inerentes ao actual modelo de actuação e regulação, quer da notação de risco enquanto actividade sistémica, quer do comportamento das agências propriamente ditas. Levantando-se muito em particular o problema do financiamento das agências de notação de risco.
Põe-se aqui o problema de determinar quem paga o quê...
Se partimos do princípio de que a notação de risco é considerada uma função sistémica útil e necessária – então coloca-se a questão de tentar saber quem é que a deve pagar... Se os responsáveis pela emissão de título de dívida, se os responsáveis pela aplicação de capitais financeiros. Por outras palavras, se os vendedores ou se os compradores desses «titulos de dívida»...

Finalmente e numa quinta parte deste livro, Vidal Santos discute então a questão – para mim mais especificamente juridica - da susceptibilidade de Responsabilização Civil das Agências de Notação de Risco.
Ou seja, de como é, ou não viável, «processar as agências de notação de risco»... «Levá-las a tribunal» e «obrigá-las a pagar uma qualquer indemnização por danos causados»...
De um ponto de vista de um sociólogo, supostamente especialista em sociologia das organizações e estudos da complexidade, este será talvez o aspecto mais interessante e polémico do livro. E faço esta reflexão na medida em que estamos hoje num mundo em que há já uma governação mundial efectiva, exercida de facto através de múltiplos organismos e instituições – desde as agências das Nações Unidas até a «coisas» tão banais como a FIFA ou o Comité Olímpico Mundial pssando pela organização de «feiras universais» e das reuniões como o G-7, o G.20 ou o Forum Económico Mundial, sem que no entanto haja de facto um governo mundial soberano.

Uma última reflexão que tenho a fazer é relativamente ao título do livro que diz «a crise financeira planetária». E sublinho aqui o adjectivo «planetária»...
Isto porque um dos mais graves defeitos da análise eonómica e financeira convencional, ou «politicamente correcta», é o de enfocar a sua atenção e estudo no plano de cada Estado-nação. Sendo a economia mundial um sistema hiper-complexo fechado (na medida em que ainda não exportamos o que quer que seja de bens mercantis para inexistentes colónias extra-planetárias), faz sempre falta e é um sinal positivo de análise ciêntífica da sociedade em que vivemos, chamar a atenção para a perspectiva e dimensão planetária do funcionamento do sistema económico global.

Guilherme da Fonseca-Statter
22 de Janeiro de 2015 - Livraria Desassossego