quinta-feira, 13 de agosto de 2015

A propósito de um editorial no Jornal de NEGÓCIOS (13 de Agosto de 2015)

Escreve Nuno Carregueiro 
«O perigo da queda dos BRIC»
«Se a pujança dos BRIC serviu no passado para atenuar o efeito do crescimento decepcionante nas principais potências mundiais, como os EUA e a Alemanha, a sua queda pode ter consequências imprevisíveis na economia global.»

É verdade, aquilo pode ter «consequências imprevisíveis na economia global.» Ou talvez não sejam tão imprevisíveis assim...
A ver se eu consigo explicar isto em «meia-dúzia» de parágrafos...
1. A economia global - o planeta como um todo - entrou em estagnação mais ou menos há uns 40 anos.
2. Durante uns primeiros anos houve baldúrdia e confusão mas depois inventaram o consumo generalizado a crédito (nos países do «centro») e a «coisa» disfarçou...
Ou seja, «empurraram o problema com a barriga»... Ou varreram o «lixo» para debaixo do tapete.
3. Entretanto os países da «periferia» de maior dimensão - muito em particular a China - com tradição («institucionalizada»...) de «dirigismo estatal», os que vieram a ser chamados de BRICS, começaram a crescer e, durante uns anos, reanimaram a dita cuja «economia global».
4. A «economia global» é um sistema fechado (não exporta nada para Marte nem importa nada de Vénus...). Ou seja, está tudo interligado. O que se exporta para um lado tem que ser importado por outro lado qualquer. E todos os países querem uma impossibilidade matemática (terem todos excedentes na respectiva balança de transacções).
5. Com o rebentar da crise da bolha financeira dos «subprime» - exemplo máximo do consumo a crédito - e sua propagação ao resto do planeta, tornou-se mais visível a estagnação relativa (há uns tantos que continuam a «engordar» dando a ilusão de que o sistema não está estagnado) da economia global.
6. A economia de comando estatal chinesa, também já foi - de há uns anos a esta parte - «infectada» pela lógica intrínseca do sistema capitalista.
E, como tal, mais tarde ou mais cedo teria que entrar em estagnação «local».
A menos que o Estado chinês - por via do Partido Comunista Chinês - tome decisões adequadas (orientadas para o mercado interno) e que sejam contrárias àquela lógica intrínseca do sistema capitalista, estamos todos bem encaminhados para o desastre global.
7. Tudo isto - toda esta «lógica intrínseca» - está dependente (de modo crucial e incontornável) de uma coisa chamada «lei da queda tendencial da taxa de lucro».
Algo que ando a procurar explicar (a quem me quer ouvir, claro...) desde há uns 35 anos anos a esta parte.
Entretanto, e como diria Keynes, «prefiro estar vagamente certo do que exactamente errado»...

quinta-feira, 30 de julho de 2015

São tantas as explicações para a Crise

Fui há dias comprar o livro do economista Ricardo Paes Mamede, «O Que Fazer Com Este País». De passagem dei uma olhada pelos escaparates e mesas com livros sobre temas da actualidade. Coisa que - em Portugal - já não fazia há umas semanas.
Pelos vistos, qualquer visita a qualquer livraria dá para ver algumas dezenas de livros a explicar a crise e a discutir a dívida... Também há alguns livros a explicar como sair da crise e os meandros da corrupção e de «como chegámos aonde estamos»... Sobre isso cada um que faça as suas leituras e as suas opções.
Para já vou ler o livro com todo o interesse que o mesmo merece e até pelo respeito intelectual que me merece o Ricardo.
Entretanto - e porque o panorama livreiro em França é muito parecido - deu-me para deixar aqui algumas reflexões sobre a «CRISE».
E começo com algumas ideias fundamentais sobre a análise marxiana do sistema capitalista. Depois de algum estudo da referida análise marxiana direi que o edifício teórico desta análise assenta sobre dois grandes pilares:
1. Em primeiro lugar destaco o estudo da relação entre "valores" e "preços". 

Sobre isso há dezenas (julgo mesmo que centenas) de artigos sobre o famigerado «problema da transformação (de "valores" em "preços de produção"). Em tempos dei-me ao trabalho de traduzir «meia dúzia» desses artigos. Terei muito gosto em enviar os PDF's a quem estiver interessado.
Caracterizam-se todos por extensos e complexos exercícios matemáticos.
Para mim a explicação é razoavelmente simples e reside no reconhecimento do papel instrumental (...) dos "preços" na captação de "valores".
2. Em segundo lugar destaco o estudo sobre uma (muito discutida) lei da queda tendencial da taxa de lucro. 

Como a busca do lucro é o motor de toda a actividade empresarial capitalista, é no mínimo insólito que este assunto - do comportamento evolutivo da taxa de lucro - não mereça mais atenção mediática. Estou aqui a lembrar-me da atenção mediática dada à «descoberta do "bosão de Higgs"» (coisa crucial para a vida de milhões desempregados...).
Sobre essa famigerada lei da queda tendencial também há centenas de artigos mas - devo assinalar - tudo isso nos círculos esotéricos de alguns meios académicos. E no entanto é isso - o comportamento da taxa de lucro - que, tal como as "fundações" dos prédios que fazem os engenheiros civis, está na base dos sobressaltos todos da nossa vida económica.
Entretanto, aqui há uns atrás veio um senhor economista matemático japonês - de seu nome Nobuo Okishio - demonstrar por «a + b» que afinal não só não há nenhuma queda tendencial da taxa de lucro, como até o que há é uma subida tendencial da dita cuja taxa de lucro. Segundo Parijs (1980) o assunto ficava encerrado e não valia a pena falar mais nisso.
Pois bem, reclamo para mim o mérito (?...) de ter demonstrado, por via de um algoritmo elaborado já há uns trinta e cinco anos, que «está quase tudo certo e está quase tudo errado»... O estudo de Hegel dá nisto...
Quero eu dizer que há umas fases em que a taxa de lucro tende a subir e depois há umas fases em que tende a descer... E pelo meio há uns períodos de «transição de fase».
Era tão bom se houvesse gente com poder político que quisesse perceber isto.
E se a minha avó tivesse asas voava.

domingo, 12 de julho de 2015

«A Dívida Pública liquida da Grécia é de 18% do PIB, não 175%. E a da Alemanha?»

Pelo seu interesse, transcrevo para aqui um artigo de opinião da revista FORBES publicado em Janeiro deste ano de 2015 e no qual «acabo de tropeçar»...

http://www.forbes.com/sites/panosmourdoukoutas/2015/01/22/greeces-net-debt-is-18-of-gdp-not-175-whats-germanys/

Escreve Panos Mourdoukoutas, colaborador da revista FORBES:

«Antes de impor à Grécia mais uma ronda de austeridade, a Alemanha deveria corrigir o seu próprio problema de contabilidade – calculando a dívida grega, e a sua própria, usando normas internacionais aceites. Enquanto os cidadãos gregos vão votar este Domingo, os funcionários alemães não deixaram passar a oportunidade de lembrar a Grécia de que tem que cumprir as suas obrigações da dívida. Isto significa adoptar uma austeridade sem precedentes a qual tem deprimido a economia grega.
O problema é que a Alemanha tem estado a sobre estimar a dívida grega ao não seguir os padrões do «International Public Sector Accounting Standards (IPSAS)» os quais medem os compromissos e os activos ao longo do tempo.
De acordo com o Professor Jacob Soll, os padrões IPSAS são similares aos que são utilizados pelos principais governos, bancos e investidores em todos os níveis. «De facto, a dívida foi calculada como sendo maior do que realmente é ou seria se tivessem sido usados os padrões "IPSAS", escreveu Soll num recente artigo no New York Times.
Exactamente em quanto foi sobre estimada a dívida grega?
A resposta pode encontrar-se em www.freegreece.info.
Se forem aplicados os padrões do "IPSAS Board" para calcular a dívida grega, a dívida líquida é de 18%, não 175% do PIB. E qual é a situação no caso da Alemanha seguindo os padrões do "IPSAS Board"?... 46% do PIB.
Isto quer dizer que a situação da dívida da Grécia é melhor do que a da Alemanha!
Então porque razão a Alemanha não usa (o padrão) IPSAS para calcular a dívida grega?...
De acordo com o profesor Soll, por duas razões.
Escreve este autor que, em primeiro lugar, (os alemães) não aplicam (os padrões) IPSAS na sua própria casa. «Um facto pouco conhecido é que os alemães também não usam (os padrões) IPSAS e têm padrões de contabilidade pública notavelmente opacos».
Em segundo lugar, mantendo-se fora dos (padrões) IPSAS, a Alemanha pode manter a Grécia em rédea curta ao mesmo tempo que mantêm a dívida grega fora dos seus livros de contabilidade.
Escreve Soll que «uma razão poderá ser que os alemães se têm recusado a apreçar razoavelmente a dívida ou a reportar correctamente o seu valor, o que significa que, no curto prazo, extraem dos Gregos mais austeridade do que deviam e também porque assim mantém estes empréstimos fora dos registos do balanço orçamental pois que os mesmos apareceriam como perdas sob qualquer padrão legítimo de contabilidade».
(uma forma mal encapuçada de transferir para os gregos as perdas dos bancos alemães, as quais deveriam ter sido suportadas pelos contribuintes alemães, digo eu - GFS)
Na nossa opinião há uma terceira razão. Sobre estimando a dívida soberana dos países do Sul da Europa, aumenta-se a ansiedade nos mercados de câmbios, deprimindo o Euro e potenciando a máquina exportadora da Alemanha».
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Jacob Soll é autor de diversos livros sobre a História da Dívida e das práticas de contabilidade ao longo da História, designadamente «The Reckoning: Financial Accountability and the Making and Breaking of Nations». Há uma tradução em Português («O Ajuste de Contas»).

Para saber coisas sobre o IPSAS, pode visitar-se o portal da «International Federation of Accountants» em http://www.ifac.org/public-sector

terça-feira, 16 de junho de 2015

A propósito da «venda» da TAP

 ... E a pensar em alguns comentários encontrados no Facebook.

Ponto 1. Não há como separar a Política da Economia. Ou seja, não há problemas económicos separados (distintos, alheios a...) problemas políticos. Aliás a disciplina que estudava isso tudo começou por se chamar Economia Política... Era isso que estudavam Adam Smith, David Ricardo, John Stuart Mill e tantos, tantos outros. Até que inventaram uma coisa chamada «Economics»...
Ponto 2. Importa separar o nível analítico da «gestão empresarial» dos níveis analíticos (ou perspectivas) da «gestão financeira», da «contabilidade de custos»...
Ponto 3. Importa também distinguir a questão da «gestão empresarial» da questão da «propriedade do capital».
Ponto 4. As pessoas que defendem a ideia de que o «Estado» (a colectividade politicamente organizada e soberana) tem que ser menos bom gestor do que o «Privado», são as pessoas que devem demonstrar tal facto, quer em termos de «dedução teórica» (recorrendo aos saberes das disciplinas da Psicologia Social e das Técnicas de Gestão, por exemplo...), quer em termos de evidência empírica (dando exemplos históricos suficientes...).
Ponto 5. Pela minha parte estou disponível para dar exemplos do contrário. Ou seja, que foi a iniciativa pública (decisão do poder soberano de alguns Estados) que esteve na origem de algumas das maiores e melhor sucedidas empresas do mundo.
Ponto 6. Tal como a Estatística, sendo uma disciplina rigorosa, pode ser manipulada e/ou instrumental na defesa de interesses escondidos, também a Contabilidade («arte dos registos económicos»...) pode ser (e tem sido muitas vezes...) utilizada para esconder realidades económicas objectivas. Os exemplos recentes são mais que muitos... Todos se lembrarão ainda do escândalo da ENRON e do conluio com uma das (então) mais prestigiadas firmas de contabilidade. Não é por acaso que o povo diz algo como isto, «com a verdade me enganas».
Ponto 7. Tudo isto - todos estes processos de privatizações «a mata cavalos» - deve ser visto de uma perspectiva histórica de médio/longo prazo. Tal como explico em alguns dos meus livros, estamos perante um processo em que os donos do Capital (na sua expressão financeira...) perante uma situação histórica de «esgotamento progressivo (e matematicamente relativo - sublinho o relativo) das oportunidades de investimento reprodutivo de bens e serviços (há dinheiro a mais e «casas», «roupas» e «automóveis» também a mais para o poder de compra disponível), pois esses donos do Capital (na sua expressão financeira...), viram-se para outras aplicações: comprar o que já existe (e que até estava no domínio público - as estradas... - e, significativamente, a dívida pública.
Ponto 8. É desta perspectiva que eu analiso (e critico...) a privatização da TAP. O resto, com todo o respeito e simpatia, são detalhes de «lana caprina»...

sábado, 24 de janeiro de 2015

As Agências de Notação de Risco - Um novo livro de Delfim Vidal Santos

Sobre o livro de DELFIM VIDAL SANTOS

«AS AGÊNCIAS DE NOTAÇÃO DE RISCO
E A CRISE FINANCEIRA PLANETÁRIA»

Uma primeira reflexão pessoal:
Tudo isto da economia, das finanças, da política e da sociedade em geral está profundamente interligado... No sistema económico e financeiro em que vivemos há toda uma panóplia de diferentes tipos de agentes.
Desde os agentes públicos – supostamente responsáveis pela regulação e governação do sistema e que são supostos agirem em defesa daquilo que se defina como sendo do interesse público – até aos agentes estritamente privados e que, naturalmente, actuam na procura incessante do seu próprio benefício.
Em qualquer dos casos e mesmo no interior dessas duas grandes categorias de agentes sociais há toda uma enorme diversidade de tipos de agentes sociais, muitas vezes com interesses distintos e mesmo divergentes. Só a título de exemplo, haverá os banqueiros, os industriais, os agricultores, os quadros dirigentes, os trabalhadores em geral e os operários em particular, haverá ainda os múltiplos profissionais, os camponeses...
Por outro lado, os efeitos a posteriori das decisões e actuações de todos esses tipos de agentes, não são discerníveis de modo uniforme, todos esses efeitos têm temporalidades específicas: uns revelam-se em poucos minutos... Em contraste, outros efeitos levam alguns anos a virem ao de cima.
Junte-se a tudo isto um paradigma interpretativo – ou uma mundivisão – que reduz todos os agentes sociais à figura de «homo economicus» e teremos o caldo perfeito para a não compreensão dos fenómenos da Crise.
Estamos pois perante um fenómeno claramente hiper complexo com multiplos circuitos de retroacção positiva e negativa que, por sua vez vão afectar o comportamento emergente do sistema plítico, social e económico.
Nesse contexto este livro – dedicado ao estudo detalhado das agência de notação de risco e seu papel no sistema económico como um todo – é claramente um livro oportuno e que vem preencher um lacuna na discusssão dos problemas da crise da dívida e de como viemos a chegar à situação em que nos encontramos.
Essa lacuna era justamente o estudo detalhado do comportamento de um determinado tipo de agentes ou actores sociais: as agências de notação de risco.

Uma segunda reflexão pessoal.
Quando fui convidado para fazer uma apresentação deste livro e no que diz respeito à qualidade científica do texto fiquei à partida descansado pois que o mesmo tinha a chancela, ou selo de garantia, de uma escola como a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Nesse sentido aquilo que mais me impressionou na leitura que fiz, foi a enorme quantidade de informação coligida pelo autor, assim como a forma bem estruturada como o texto foi organizado. Nesse sentido ficamos todos em dívida de cidadania para com Delfim Vidal Santos.

De facto o estudo de como - ainda que com toda a legalidade - dois ou três agentes privados vieram ao longo de algumas décadas e à vista de toda a gente a assumir funções «quase-soberanas» de regulação económico-financeira, era algo que, pelo menos em Português, estava a fazer falta.
Entretanto, já há alguns anos atrás que instituições como o Conselho Mundial dos Fundos de Pensões criticaram o facto de os governos da União Europeia terem imposto de forma dogmática a adopção das recomendações ditas de «Basileia II» adoptadas em 2005 e transpostas para as normas legais da União Europeia através da Directiva sobre os Requisitos de Capital, com efeitos a partir de 2008.
Uma tal directiva obrigou os bancos europeus e o próprio Banco Central Europeu a utilizar de modo imperativo as avaliações de crédito padronizadas por duas ou três empresas privadas, utilizando assim a política pública e por conseguinte o dinheiro dos contribuintes para reforçar o poder de mercado de um restrito cartel privado.
A este respeito, chamo a atenção para o facto de o Banco Internacional de Compensações ser um exemplo paradigmático da interpenetração de funções soberanas com interesses privados dos quais, interesses privados, se espera no entanto que actuem no interesse público... Referindo-se ao papel das agências notação de risco, como assinala um pequeno artigo da incontornável «Wikipedia», «Ironicamente os governos europeus abdicaram de um componente crucial da sua autoridade regulatória em favor de um cartel privado, não Europeu e altamente desregulado»

De resto, e passando ao livro propriamente dito, o mesmo está estruturado em cinco partes distintas:
Uma primeira parte é dedicada à
Análise Cronológica e Material da Crise Financeira, sua Evolução e Causas Justificativas. Deficiências e Conflitos de Interesses.
Nesta primeira parte o autor chama a atenção para uma série de factos e indícios, anteriores ao despoletar visível da crise financeira e que apontam claramente para actuação delituosa ou fradulenta por parte de pelo menos alguns executivos das principais agência de notação de risco.
Alguns intervenientes e observadores do desenrolar da crise, como foi o caso do CEO da DAGONG – uma nova agência de notação de crise de iniciativa chinesa, foram mesmo ao ponto de afirmar que a crise financeira terá sido despoletada pela Agências de Notação...
Para alguns desses observadores, não estaremos perante uma crise económica, mas sim perante uma crise de notação financeira.
Nessa primeira parte o autor faz também uma análise crítica da evolução da zona monetária do Euro com referência à teoria das zonas monetárias óptimas, chamando a atenção para os paradoxos da construção da União Europeia.
Temos também uma breve discussão de como as Agências de Notação de Risco entraram em força no despoletar da crise financeira e, mais concretamente, na sua participação no mercado das hipotecas subprime.
O autor chama assim a atenção para a evolução paradoxal das Agências de Notação de Risco que se transmutaram de «analistas de mercado» emitindo notações de risco a quem pretendia investir, para uma realidade antagónica, em que eram contratadas pelos emitentes de dívida para credibilizar os seus títulos, independentemente das suas eventuais falhas» e conflitos de interesse.
No que respeita ao comportamento organizacional das Agências de Notação de Risco, ainda que de uma forma implícita – mas também explicitando com exemplos – o autor chama a atenção para o conservadorismo das avaliações em «tempos de vacas gordas» (palavras minhas) e para a reacção exagerada quando surgem «incidentes inesperados»...
Estaremos aqui perante um bom exemplo da não compreensão da dinâmica profunda da economia, por parte dos «especialistas» das Agências de Notação de Risco.
Entretanto e refiro de passagem uma frase do autor citando um dirigente politico norte-americano a propósito das inquirições à posteriori sobre a Crise: «Não se pode fazer triliões de dólares em hipotecas sem que ninguém reparasse no que se passava»... Vem isto a propósito do fenómeno mais escandaloso da chamada «securitização» – ou transformação de hipotecas em «titulos de dívida» genéricos... Pondo tudo num só pacote... Foi de facto o «grande empacotamento»! Ou, se preferirem, o «grande embrulho»... De facto muitos «investidores» de todo o mundo foram bem embrulhados e as Agências de Notação de Risco tiveram nesse esquema um papel determinante.
Faço aqui uma outra e breve observação pessoal.
Nos EUA – como em certa medida noutras jurisidições – não há propriamente uma estrutura institucional bem integrada de regulação financeira. Desde logo porque uma definição do que é uma actividade financeira não é simples e directa... O que temos é então um agregado de agências com diferentes áreas de jurisdição em termos da sua regulação específica...
Junte-se a isso a possibilidade de escolha de regulador (banca por atacado, banca de retalho, seguros, crédito imobiliário) por parte de cada operador nos diversos mercados (distintos por tipo e por geografia...) e temos o caldo perfeito para a não regulação como regra normal...
Entretanto chamo aqui também a atenção para o facto de as Agências de Notação de Risco olharem para as «árvores» – uma a uma – mas não tanto para a «floresta»...
Por outro lado vão quase sempre atrás dos acontecimentos, oscilando entre o optimismo e o pessimismo exagerados...
Teremos ainda o pensamento politicamente correcto no interior deste tipo de empresas – tal como em qualquer outra organização empresarial - e o comportamento dos agentes, condicionado pela conformidade institucional ou de grupo.

Temos sem seguida uma segunda parte em que o autor estuda detalhadamente o objecto da Notação de Risco e da Arquitectura Institucional que levou à privatização de uma faceta de uma função sistémica muito importante: a da regulação do funcionamento e da fiscalização da idoneidade dos agentes intervenientes nos mercados financeiros.
O autor faz aqui também uma chamada de atenção para o modo como as agências de notação de risco passaram de um foco de atenção (ou falta dela...) relativamente às notações – encomendadas, saliente-se - dos título ditos de «subprime», para uma atenção particular para as notações – não encomendadas, saliente-se também - das dívidas soberanas.

Numa terceira parte, Delfim Vidal Santos faz uma interessante identificação das deficiências da arquitectura que assim se foi desenvolvendo – no jargão das novas ciências da complexidade diriamos que foi «emergindo» - sem que tivesse havido um qualquer «plano central» que explicitamente apontasse nesse sentido, chamando o autor a atenção para os múltiplos conflitos de interesse, assim como as muitas oportunidades para o aparecimento de disfuncionalidades sistémicas.

Numa quarta parte, o autor elabora uma breve síntese das propostas de solução – que entretanto têm vindo a ser discutidas - para atenuar os riscos inerentes ao actual modelo de actuação e regulação, quer da notação de risco enquanto actividade sistémica, quer do comportamento das agências propriamente ditas. Levantando-se muito em particular o problema do financiamento das agências de notação de risco.
Põe-se aqui o problema de determinar quem paga o quê...
Se partimos do princípio de que a notação de risco é considerada uma função sistémica útil e necessária – então coloca-se a questão de tentar saber quem é que a deve pagar... Se os responsáveis pela emissão de título de dívida, se os responsáveis pela aplicação de capitais financeiros. Por outras palavras, se os vendedores ou se os compradores desses «titulos de dívida»...

Finalmente e numa quinta parte deste livro, Vidal Santos discute então a questão – para mim mais especificamente juridica - da susceptibilidade de Responsabilização Civil das Agências de Notação de Risco.
Ou seja, de como é, ou não viável, «processar as agências de notação de risco»... «Levá-las a tribunal» e «obrigá-las a pagar uma qualquer indemnização por danos causados»...
De um ponto de vista de um sociólogo, supostamente especialista em sociologia das organizações e estudos da complexidade, este será talvez o aspecto mais interessante e polémico do livro. E faço esta reflexão na medida em que estamos hoje num mundo em que há já uma governação mundial efectiva, exercida de facto através de múltiplos organismos e instituições – desde as agências das Nações Unidas até a «coisas» tão banais como a FIFA ou o Comité Olímpico Mundial pssando pela organização de «feiras universais» e das reuniões como o G-7, o G.20 ou o Forum Económico Mundial, sem que no entanto haja de facto um governo mundial soberano.

Uma última reflexão que tenho a fazer é relativamente ao título do livro que diz «a crise financeira planetária». E sublinho aqui o adjectivo «planetária»...
Isto porque um dos mais graves defeitos da análise eonómica e financeira convencional, ou «politicamente correcta», é o de enfocar a sua atenção e estudo no plano de cada Estado-nação. Sendo a economia mundial um sistema hiper-complexo fechado (na medida em que ainda não exportamos o que quer que seja de bens mercantis para inexistentes colónias extra-planetárias), faz sempre falta e é um sinal positivo de análise ciêntífica da sociedade em que vivemos, chamar a atenção para a perspectiva e dimensão planetária do funcionamento do sistema económico global.

Guilherme da Fonseca-Statter
22 de Janeiro de 2015 - Livraria Desassossego

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

A propósito da re-eleição de Dilma Rousseff...

Uma longa reflexão a pensar em algumas pessoas - incluindo amigos brasileiros - que se afirmam como «marxistas»...


Durante a campanha eleitoral no Brasil muito se falou da corrupção galopante no Brasil, em particular entre os seus opositores, a qual, à imagem da mitológica Hidra de Lerna parece ser impossível de irradicar (corta-se uma cabeça e logo aparecem outras duas...).

Dizem-nos os clássicos da Economia Política (se não dizem, podiam dizer ou então digo eu...) que um dos problemas fundamentais da Economia é o problema da distribuição da riqueza produzida. Em particular do excedente produzido.

De acordo com as «leis da Natureza» (do sistema capitalista) tal como postuladas pelos seus mais altissonantes apologistas - Milton Friedman et alia - o mundo é como é e não há nada a fazer. A riqueza tenderá naturalmente a fluir para os mais ricos e os mais pobres que se remedeiem como puderem. O Estado não tem nada que se envolver em questões de RE-DISTRIBUIÇÃO da dita cuja riqueza produzida.

Só que as sociedades humanas são constituídas por «agentes conscientes» e dotados de algum sentido ético (tem piada que já o sr. Adam Smith escrevera - antes do «A Riqueza das Nações», um livro intitulado «Teoria dos Sentimentos Morais»... Vão lá falar disso aos «friedmanitas» de serviço...).

E sendo dotados de sentido ético, esses agentes sociais, às vezes, vão procurando organizar-se para impor alterações nas tais «leis da Natureza» (do sistema capitalista...).

Olhando de longe, o sr. Aécio Neves apresentava-se como defensor do «Estado minimalista», tendencialmente à maneira de Milton Friedman.

Ou seja, não há - ou não deve haver - lugar a esforços por parte do Estado para redistribuir a riqueza que sai sendo produzida.

Por seu lado Dilma Rousseff apresentava-se como defensora e/ou promotora da ideia da necessidade (ou mesmo do imperativo) de o Estado contrariar as tais «leis da Natureza» (do sistema capitalista) fazendo uma significativa redistribuição da riqueza produzida.

E é aqui que entra uma das facetas (ou tipos) de corrupção.

É que «corrupção» tem sido um fenómeno histórico universal em todas as sociedades de classes. Os brasileiros não têm qualquer monopólio disso.

E há corrupção na troca de favores, mas há também o fenómeno de «quem parte e reparte e não fica com a melhor parte, ou é tolo ou não sabe da arte»...

Por outras palavras, é perfeitamente normal que os agentes políticos que fazem a redistribuição da riqueza, aproveitem para - já agora, com a mão na «massa» - se servirem também em benefício próprio.

Não se trata de desculpar essa forma de corrupção!!!

Trata-se de não confundir «coisas», «factos», «variáveis» e «factores intervenientes»...

Trata-se também - e sobretudo - de ter das coisas uma visão de longo prazo e apoiar quem quer redistribuir a riqueza e, ao mesmo tempo, intensificar a luta contra a corrupção...

É nestas ocasiões que é crucial ter uma compreensão teórica profunda dos fenómenos sociais... Não é possível uma práctica correcta - ou adequada - sem uma boa teoria, compreensiva e abrangente. 
E foi por causa disto tudo - destas reflexões - que tive muita dificuldade em perceber por que razão algumas pessoas que se reclamam do marxismo afirmaram alto e bom som que não valia pena votar em Dilma Rousseff pois que - no fim de contas - a mesma iria fazer sensivelmente o mesmo que Aécio Neves. 

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Dizem que anda por aí um «novo Marx»

A propósito de um livro de Thomas Picketty
Mão amiga fez-me chegar «'às mãos» - por via electrónica – um artigo de Sérgio Aníbal publicado no jornal PÚBLICO em 24 de Maio (se não estou em erro).
Tem por título «Anda por aí um novo Marx»... Referindo-se ao ultimo grito dos sucessos editoriais – eu invejoso me confesso – o livro de Thomas Picketty, «Capital no Século XXI»
Segundo nos diz Sérgio Aníbal, «"Maior livro da última década” e “brilhantemente revolucionário” ou “lengalenga ideológica bizarra” e “espantosamente ignorante” foram alguns dos adjectivos usados para descrever a obra de Piketty».
Confesso que já ando a ficar «excitado» (para não dizer «farto»...) com esta mania do «novo Marx»...
Ainda não tive pachorra (se chegar a ter...) para ler o referido livro e portanto estas reflexões são elaboradas para serem lidas (se isso chegar a acontecer, claro...) com algum «sal e pimenta»...
Thomas Pickety - por aquilo que já li – conseguiu coligir informação mais do que suficiente para demonstrar – empiricamente – aquilo que muitos andam a denunciar há décadas: as desigualdades crescentes na distribuição da riqueza global.  Só por isso já valeu a pena o trabalho de Thomas Picketty.
Mas, no que diz respeito a explicação teórica sobre as causas dessa crescente desigualdade parece confundir «efeitos» com «causas»... Talvez seja por isso que se sente - dizem - pouco confortável com a comparação com Marx.
Passo a citar de novo o autor do artigo
«A fórmula, a mais discutida no debate económico dos últimos meses, escreve-se como r>g, em que r é a taxa de retorno do capital e g é a taxa de crescimento da economia. A tendência de longo prazo, diz Piketty, é a de que r supera g»...
Por outras palavras, a tendência de longo prazo, dizem que diz Picketty, é a de que «a taxa de lucro excede a taxa de crescimento da economia como um todo»...
Como explicação para um fenómeno historicamente recorrente (ou seja, não é sempre assim...), é caso para dizer. NADA DE MAIS ERRADO!...
Em primeiro lugar não vi ainda qualquer referência ao caracter oscilatório (e dinâmico) das «ondas de evolução» da história económica... Ondas de Kuznetts, ou de outros quaisquer... 
Por coincidência ando já há umas semanas a reler – paulatinamente - um livro que li já há uns 20 anos justamente sobre esta temática. «The Long Wave in the World Economy» de Andrew Tylecote. Este autor afirma-se como «não marxista» (e de facto não é...), mas isso não impede que o livro contenha muita informação interessante e reflexões válidas sobre a noção de «onda» na evolução da Economia global.
Voltando ao livro de Picketty, este outro autor, pelos vistos, não explica - ou não aborda - porque razão às vezes as «coisas» sobem e às vezes as «coisas» descem...
O que verdadeiramente acontece é que quando a taxa de crescimento da economia começa a abrandar (por via do esgotamento progressivo das oportunidades de investimento - é como eu prefiro designar a famigerada «lei da queda tentencial da taxa de lucro»...) o grau de apropriação do valor excedente que vai sendo criado por parte dos «donos» e «gestores» do sistema, esse grau de apropriação, começa - necessariamente - a aumentar. Por outra palavras, se o «bolo» aumenta «mais devagarinho» - e quem parte e reparte e não fica com a melhor parte (...) -  então aquilo que sobra para os «outros» é necessariamente mais relativamente reduzido... «Elementar meu caro Watson»...
Repito, salvo uma leitura integral do livro do Picketty - não sei se terei pachorra - por aquilo que já li (que foi apenas o «quanto baste»...) Picketty confunde «efeitos» com «causas»...
Segundo também li, Thomas Picketty, para se distanciar de Karl Marx (não era preciso...) terá afirmado algo como «que nem sequer tinha conseguido ler "O Capital" até ao fim»... Pois... ler - e compreender - Marx (e a sua análise do Capitalismo!...) é de facto uma chatice...Mas não precisava de ser!
 http://www.publico.pt/economia/noticia/anda-por-ai-um-novo-marx-1637139
 
 

segunda-feira, 2 de junho de 2014

SOBRE A ORIGEM DO LUCRO

«De volta à «origem» do lucro - Jean -Marie Harribey
Tal uma má consciência , a questão da origem do lucro regressa periodicamente ao debate teórico. De cada vez, é uma oportunidade para desenterrar Marx, o pai da mais controversa explicação do lucro, e de o enterrar outra vez logo em seguida porque o seu modo de tirar a teoria do lucro do quadro estrito da economia não é admissível para a grande maioria dos economistas. Nas últimas décadas, vimos a onda de discussões dos anos 1960-1970 em volta do problema dito da transformação, depois de Sraffa ter expressado correctamente um sistema de preços de produção. Essas discussões levaram à constatção de que eram considerados dois tipos de soluções para aquele problema: uma, que vai de Bortkiewicz, Seton e Morishima, que não aceita os conceitos de Marx (soma dos valores = soma dos preços na produção e soma das mais-valias = soma dos lucros ), e outra, enunciada quase simultaneamente por Dumenil, Foley e Lipietz, restabelecendo o conjunto da problemática de Marx. Houve a partir daí, na década de 1980, um interesse renovado na questão da origem do lucro quando a teoria keynesiana do circuito enfatizou a antecipação do lucro por meio da criação de monetária de dinheiro que permite acumulação de capital. Recentemente, Henri Denis voltou a repetidamente a este lancinante problema para refutar a teoria do sobre-valor de Marx e restaurar a honra uma tese de Kalecki que Boulding havia reformulado em 1950 ao localizar a fonte de lucro no... lucro.»

Uma coisa que talvez surpreenda muito boa gente é o facto (insólito?...) de que os «economistas convencionais» (os da linha principal, quase sempre alinhados com a «engenharia social» do neoliberalismo e as respectivas e actuais políticas de austeridade), não são capazes, esses economistas, de explicar (enfâse no "explicar") a ORIGEM do lucro.
Por outro lado, salvo algumas e eventualmente raríssimas excepções, os referidos «economistas convencionais» nunca leram qualquer coisa escrita por Karl Marx relativamente ao funcionamento da economia capitalista. Alguns terão lidos criticas em segunda ou terceira mão dizendo (explicando, demonstrando...) que Marx «estava errado» e ficam-se por aí... Por vezes admitem que terá sido uma personalidade incontornável no campo das ciências sociais, mas como «economics não é uma ciência social», não vale a pena um economista digno do seu nome perder muito tempo com isso... Se um qualquer prémio «"Nobel" de Economia» diz que a análise de «O Capital» está errada não vale certamente a pena perder muito tempo com isso...
E, no entanto, se se dessem ao trabalho de estudar os apontamentos que Marx foi elaborando ao longo da vida – e vertidos em forma de livro – sobre a lógica de funcionamento do sistema capitalista, talvez viessem lá a encontrar alguns argumentos interessantes para defender os seus interesses de classe: uma explicação marxista da origem do lucro, sem recorrer a alguns conceitos «perigosos», tais como «luta de classes», «valor acrescido» (vulgo, «mais-valia»), trabalho excedente, e sobretudo o conceito de «exploração» (essa coisa abjecta e ultrapassada que os empresários capitalistas, mais honestos e cumpridores, nunca fazem...)
Então é assim: a certa altura, no capítulo XIII, do Volume I de «O Capital), dedicado à Cooperação, vem este parágrafo prenhe de ilações. 

«A força produtiva que o trabalhador desenvolve como trabalhador social é, portanto, força produtiva do capital. A força produtiva social do trabalho desenvolve-se gratuitamente tão logo os trabalhadores são colocados sob determinadas condições, e o capital os coloca sob essas condições. Uma vez que a força produtiva social do trabalho não custa nada ao capital e, por outro lado, não é desenvolvida pelo trabalhador, antes que seu próprio trabalho pertença ao capital, ela aparece como força produtiva que o capital possui por natureza, como sua força produtiva imanente.»
Em «O Capital - Capítulo XIII - A Cooperação».

Como disse mais acima, um dos problemas fundamentais que (não) aflige os economistas convencionais é a explicação da origem do lucro. Como aparece e de onde vem...
Aquilo que se encontra com toda a naturalidade e frequência é a justificação do lucro. Designadamente o facto de os empresários assumirem riscos e, portanto, o lucro ser para eles e seus apologistas «o prémio legítimo do risco assumido». Mas, sobre como é que ele aparece, como é que o risco em si mesmo é uma causa do lucro, sobre isso não se contram grandes (poucas ou nenhumas...) explicações.
Pois bem, se aqueles senhores se dessem ao trabalho se estudar o Capital, da mesma maneira que muitos (quase todos?...) os economistas de formação técnica marxista, estudam o marginalismo, o utilitarismo, o monetarismo (e outros "ismos" colaterais...) talvez encontrassem naquele parágrafo escrito pela mão de Marx uma explicação razoável e perfeitamente lógica e coerente para explicar a emergência de um valor acrescido («sem exploração»...) e que corresponderia ao aparecimento de um montante extra de riqueza social a que depois – em regime capitalista - chamamos «lucro». A emergência de uma parte do montante adicional de riqueza gerada pelo trabalho assalariado («valor acrescentado», «valor acrescido», «sobre-valor», «excedente económico» ou ainda «mais-valia»... ou como lhe queiranm chamar...) teria assim origem naquilo a que agora se chama – em teorias e técnicas de gestão - «efeito de sinergia». Ou seja, pelo menos uma parte do lucro poderia (ênfase no «poderia») ser explicado também como resultado da sinergia do trabalho em conjunto. E não necessariamente como resultado da exploração.
Este efeito de sinergia (e o efeito da presença de «um outro» a emular) tem sido demonstrado em várias experiências de psicologia social, incluindo experiências com diversos tipos de animais. Até baratas... Observou-se mesmo que o simples facto de haver espectadores – que proporcionem aquilo a que se chama «reforço positivo» - leva a um maior desempenho por parte do grupo observado. 

Observações
Disponível em PDF - http://www.google.pt/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0CDEQFjAA&url=http%3A%2F%2Fharribey.u-bordeaux4.fr%2Ftravaux%2Fvaleur%2Fprofit.pdf&ei=OJ6MU4blIajI0wXe_YGABg&usg=AFQjCNHvugP-Et3mzfpU2SzaosG_Xe6wcg&sig2=EwRHFc36LB52s-LlgQ25eg&bvm=bv.67720277,d.d2k
Este parágrafo aqui por mim sublinhado a «amarelo claro» podia ser utilizado pelos apologistas do Capital como uma legítima explicação para a emergência do Lucro... Em vez de se perderem nos meandros das justificações moralistas do «lucro como prémio pela assunção de risco»... GFS Na edição «Penguin Classics» encontra-se na página 451. Na edição «Garnier Flammarion» encontra-se na página 247. Curiosamente esta versão em Inglês utiliza o termo «inerente» (inherent») enquanto que a versão em Francês utiliza de facto o termo «imanente». O termo «imanente» aparece também na versão em Inglês disponível na Rede em formato PDF, e acessível aqui
https://www.google.pt/search?q=Capital+Marx+Book+1&ie=utf-8&oe=utf-8&aq=t&rls=org.mozilla:pt-PT:official&client=firefox-a&channel=np&source=hp&gfe_rd=cr&ei=zluHU42QAeze8gfUqIDICw



 

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Estudar Marx de «pernas para o ar» ?...

Esboço de uma comunicação a fazer um dia, se...
Aquela que é talvez uma das mais citadas frases de Marx é aquela em que diz algo como ter encontrado Hegel de «pernas para o ar» (em rigor aquilo que Marx diz é que em Hegel era a dialéctica que estava de pernas para o ar...)
«The mystification which dialectic suffers in Hegel’s hands, by no means prevents him from being the first to present its general form of working in a comprehensive and conscious manner. With him it is standing on its head. It must be turned right side up again, if you would discover the rational kernel within the mystical shell.» em «Pósfácio à segunda edição alemã de O Capital Volume I»
http://www.marxists.org/archive/marx/works/1867-c1/p3.htm

No contexto dos actuais (e sempre oportunos) congressos e conferências sobre a obra de Karl Marx, designadamente seminários sobre a leitura crítica de «O Capital», ocorre dizer que talvez algo de semelhante se possa fazer em relação à obra de Marx.

Imagino que um estudante pós-graduado em ciências físicas possa querer elaborar um trabalho sobre o conteúdo textual dos «Princípios Matemáticos da Filosofia Natural» de Newton ou sobre os cadernos de apontamentos de Einstein, mas a verdade factual é que um engenheiro físico pode fazer um doutoramento na sua área de conhecimento servindo-se apenas das fórmulas fundamentais dos cientistas físicos que nos precederam na história da ciência. Poderão eventualmente dedicar-se a uma exege dos textos daqueles e outros físicos de renome mundial, mas a verdade é que para projectar o lançamento de satélites artificiais o que têm mesmo que estudar é Química e Física aplicadas, sem terem muito que se preocupar com os percursos intelectuais de quem descobriu as leis da Física e da Química que rotineiramente utilizam nos seus cálculos.
No caso da Economia Política a coisa não é bem assim. No que respeita à disciplina designada por «economics» nem vale a pena falar... é uma ieologia matematicamente pura (na feliz expressão de Alan Freeman) e estará tudo dito.
Voltando à minha ideia de que, se calhar, seria recomendável «dar um piparote» na obra de Marx e colocá-la com as pernas no chão, devo lembrar que uma parte significativa dos escritos de autores marxistas é sobre explicações e polémicas sobre aquilo que Marx (e Engels) disseram ou deixaram de dizer, aquilo que «de facto» queriam dizer ou ainda o significado, implícito ou explicito, desta ou daquela tese ou afirmação dos autores originais do marxismo. Em suma, exercícios de exegese, ou seja a interpretação profunda dos textos de Marx e Engels.
Não posso afirmar que se trate da maioria dos casos mas, de entre as várias centenas de páginas que tenho lido sobre o assunto, a maioria esmagadora dos textos são isso mesmo: discussões sobre aquilo que Marx escreveu ou deixou de escrever.
Pela minha parte acho que seria muito mais útil para o combate necessário e urgente contra a ideologia da tal disciplina que dá pelo nome de «economics»1 estudar «economia política aplicada» a partir da fórmula fundamental («Marx dixit»...), a qual fórmula é aquela que explica o comportamento dinâmico do sistema capitalista: «a taxa de lucro é igual à taxa de valor acrescido a dividir pelo indíce de capital constante mais um»Ou em «matematiquês» corrente, «r = e / k + 1».
Uma cantilena correspondente no campo da Física seria aquela que diz «matéria atrai matéria na razão directa das massas e na razão inversa do quadrado das distâncias».
Por outras palavras, em vez de «perder tempo» a discutir a interpretação (certa ou errada) dos escritos de Marx, começar a estudar a realidade económica com que nos defrontamos a partir da conclusão (final e definitiva) a que chegou Marx. 
Ou seja, de certa forma, estudar Marx «de trás para a frente»...
Como a esperança é (ou devia ser...) a última coisa a morrer, ainda pode ser que venha a assistir ao cenário social de haver aulas de teoria económica onde se explique tudo isto com o detalhe necessário e suficiente para os nossos economistas serem capazes de serem mesmo «cientistas sociais», aptos a prever as grandes linhas de evolução da economia.
1A ver se beneficiam do prestígio de «Phisics»...

quinta-feira, 10 de abril de 2014

A dimensão «oculta» da Crise

A propósito da Grande Depressão dos anos Trinta do século XX, disse um dia Keynes, de si e dos dirigentes do sistema capitalista. que se tinham envolvido «numa confusão colossal ao errarmos no controle de uma máquina delicada, cujo funcionamento não entendemos».

“The Great Slump of 1930” (1930), in «Essays in Persuasion»



Tendo regressado a Portugal em meados de 1981, fiz em Novembro de 1983 uma breve comunicação ao 2 º Congresso da Associação Portuguesa de Informática relativamente ao uso da Informática para o estudo da tendência decrescente da taxa de lucro. Ao que nos dizem os clássicos da Economia Política, essa tendência é simplesmente o problema fundamental da Economia, quer no seu aspecto de «realidade económica», quer no seu aspecto de «estudo ciêntífico» dessa mesma mesma «realidade». Tendência essa já antes assinalada por Adam Smith e retomada mais tarde por John Maynard Kaynes.

Na comunicação verbal (bastante atabalhoada...) que então tive ocasião de fazer no Auditório 2 da Fundação Calouste Gulbenkian, e perante uma vasta audiência muito vagamente interessada, expliquei as razões pelas quais dentro de algum tempo (a minha estimativa era então de cerca de uns 20 anos) e para além do «simples» impacto social e económico das «novas» tecnologias da informação e de automatização de processos, o desemprego sistémico iria ter que aumentar de forma «exponencial». Confesso que não contava – de todo – com os truques da financialização e do recurso sistemático ao crédito «fácil e barato», por parte dos «donos do sistema», para obviar às inelutáveis consequências da queda tendencial da taxa de «lucro sistémico», truque esse que, entretanto, estava já em preparação nos principais países do sistema...

Considerando que há diversas formas de entender ou interpretar a noção de «lucro» («retorno sobre o investimento», lucro «contabilistico», lucro «económico», lucro «normal»...) devo aqui esclarecer que uso aqui a noção de «lucro sistémico» no sentido de «rácio entre, por um lado, o valor acrescido produzido pela totalidade da economia mundial e, por outro lado, a soma dos montantes investidos pela mesma economia mundial, quer em «ordenados, prémios e salários», quer em máquinas, depreciação de estruturas, energia e matérias primas e acessórias. Por outras palavras, perspectivando a economia mundial como se fosse uma única empresa gigantesca que interage com a Natureza utilizando recursos materiais e humanos, e distribuindo depois o resultado excedente dessa interacção com a Natureza, de acordo com determinadas regras do sistema capitalista (que é aquele que continua em vigor).

Uma vez obtido aquele excedente económico global (resultante de todo o «trabalho excedentário produzido pelo «colectivo de trabalhadores»), esse excedente económico global é então assim apropriado e re-distribuido por entre os diversos grupos sociais que constituem o «colectivo dos capitalistas» ou «donos e gestores do Capital», designadamente, «lucros» (em sentido restrito de «excedente apropriado pelas empresas», mais ou menos competitivas), «rendas» (de monopólio), «juros» (de eventual recurso a «financiamentos bancários») e «impostos» (em sentido lato e como contributo para o pagamento das «externalidades» sem as quais a economia real simplesmente não pode funcionar.

Pois bem, voltando então à questão da tendência decrescente da taxa de lucro e suas consequências sociais e económicas, e tal como estava previsto («eu bem avisei»... só que ninguém ligou peva... 8-)...) , tem vindo pois a acentuar-se em todo o mundo o aumento sistémico do desemprego.

Segundo a OIT esse desemprego sistémico1 era de 197.000.000 em 2012, tendo passado para 202.000.000 em 2013, devendo ainda chegar aos 205.000.000 em 2014. Segundo a leitura da OIT, «trata-se do resultado de «feed-back loops» (circuitos de retro-acção positiva) em actuação na economia global: as famílias retraem-se no consumo, as empresas não investem, os bancos não financiam... Em suma «estão todos» a retrair-se, mesmo com as injecções de capital financeiro por parte dos bancos centrais. Mas tudo isso parece ser explicado como se estivéssemos perante uma maldição caída dos céus sobre uma Humanidade pecadora, ou algo assim.

Se descermos do nível analítico à escala da economia global para a escala de análise de cada país concreto, encontraremos aquilo a que os cientistas sociais costumam chamar de «factores intervenientes»... Há países que são auto-suficientes em quase tudo o que é fundamental para uma economia funcionar, há paises que vão funcionando como polos de atracção da actividade económica que continua a haver, há pseudo-países (os chamados «paraísos» ou «refúgios fiscais») que vivem de roubar receitas fiscais a todos os outros países de maior dimensão, há países de economias fragilizadas pela má governação dos respectivos estados, há também países que vão vivendo (bem ou nem tanto assim...) das chamadas «rendas petrolíferas».

Disse mais acima que a própria OIT apontava como indícios da crise do aumento continuado do desemprego que «as famílias retraem-se no consumo, as empresas não investem, os bancos não financiam»... Tudo isso acaba também por ser resumido como sendo o resultado das políticas de austeridade o que, até certa medida, até está certo...

No caso do país português, um outro «factor interveniente» a considerar é o ciclo eleitoral: em vésperas de eleições, os partidos no poder procuram sempre renovar os jogos de sedução e propaganda (cada vez mais mentirosa...) de modo a iludir a cidadania sobre eventuais indicadores de uma «miraculosa recuperação» económica.

Num aparte dir-se-á aqui que esta continuada referência a «milagres», para além de ser uma ofensa a genuínas e respeitáveis crenças de cariz religioso, é capaz de ser um bom indicador do grau de (des)conhecimento ciêntífico sobre a natureza dos fenómenos económicos.

Seja como for, na modesta opinião deste «ilustre desconhecido», pode ser que tenhamos já «batido no fundo», mas duvido. Do ponto de vista de quem nos (des)governa, há sempre algo mais para esgravatar nas reduzidas poupanças das classes trabalhadoras. E, se for mesmo necessário, continuar-se-á a vender património (último recurso para pagar dívidas, legítimas ou ilegítimas, tanto faz...). Se de facto já tivermos «batido no fundo», o problema que então se coloca é o de sabermos se há qualquer hipótese de alguma vez recuperarmos o que nos foi roubado e se alguma vez irá esta comunidade nacional (a que os românticos chamam «Pátria»...) enveredar por caminhos de crescimento e/ou desenvolvimento social e económico.

Com esta ideologia e este tipo de governação, bem podemos esperar sentados.

Repito - na modesta opinião deste «ilustre desconhecido» - se estiver correcto o exercício de análise sobre o comportamento do sistema capitalista apresentado por mim em 1983 e comunicado ao tal congresso da Associação Portuguesa de Informática – então só há dois caminhos para sairmos da CRISE: 
Ou uma redução sistemática (drástica mesmo) dos horários de trabalho, de modo a distribuir os empregos sistémicamente disponíveis pelo maior numero possível de desempregados, 
ou um regresso em força às práticas de fiscalidade progressiva que vigoravam nas décadas de Cinquenta e Sessenta do século XX e que permitam uma redistribuição «coerciva» do rendimento colectivo, 
ou uma combinação desses dois vectores de intervenção
Em qualquer dos casos será sempre necessária uma forte e decidida intervenção estatal nesse sentido. Tudo o mais serão paliativos que poderão ir «amolecendo» ou «anestesiando o doente» sem – de todo – chegar às causas do problema.

É por essas razões que este «ilustre desconhecido» embora conserve uma réstea de esperança, no curto e médio prazo, está algo pessimista. A menos que entretanto haja juízo na cabeça de alguns membros da oligarquia (a verdadeira...) ou que nos poucos países com algum peso na economia mundial onde haja ainda résteas de efectivo «poder de Estado», venha a haver algum sobressalto cívico (por parte de políticos de Esquerda histórica, entretanto «adormecidos») e que leve esses países a arrastar – até pelo exemplo – alguns outros países, na senda do investimento público orientado para satisfação de necessidades sociais.




1Referimo-me aqui a perda de empregos na economia formal, não levando em linha de conta o número (crescente?...) de «pseudo-empregos» em diversas actividades («biscates»...) na chamada «economia infornal»