Lembrei-me de uns parágrafos que escrevi em tempos e que vieram a ser incluídos no livro «Anatomia da Crise - Crónica de um Desastre Anunciado». (Zéfiro, 2009).
Falava aí - não lhe dando se calhar o relevo suficiente - da diferença entre «ordenado bruto» e «ordenado líquido». Com este aumento enorme (disse ele, o ministro...) dos impostos, as pessoas com emprego deverão ter-se apercebido dessa diferença crucial entre aquilo que as empresas contabilizam como «ordenado» (e outras coisas... comissões, bónus...) e aquilo que cada um leva mesmo «para casa» ao fim de cada mês. Talvez agora fiquem mais sensíveis ao argumento de que o importante mesmo é aquilo que efectivamente se recebe «em contado».
Passo a transcrever aqueles parágrafos, até porque me parecem particularmente relevantes para uma (entre outras, claro...hipóteses de «saídas para a crise». )
Aproveito para sublinhar aqui as coisas que me partecem mais importantes.
Vai por partes:
O TEMPO DE TRABALHO (1)
Começo naturalmente por aquela que me parece ser a medida mais problemática (por causa até do enorme combate ideológico que pressupõe...) mas que será também a solução ou medida mais estruturante e estrutural de todas as que se possam vir a desenvolver.
Ao falar mais atrás na relação entre os factores “capital”
e “trabalho” estava também a pensar na relação entre ”trabalho
socialmente necessário” e ”trabalho excedente”.
Por outro lado e considerando que esta crise (como tantas outras
antes desta) é uma crise de sobreprodução, então resultará daí
uma primeira medida estrutural (no âmbito da economia) e
estruturante (no âmbito da sociedade).
Desde logo, em primeiro lugar, penso na redução sistemática e
progressiva dos horários de trabalho. Reclamação particularmente
relevante se considerada no âmbito da totalidade dos países da
União Europeia. Vem na linha da proposta aprovada em França pelo
governo de Lionel Jospin, entretanto combatida pelos governos de
direita que lhe sucederam. Vem também na linha da ênfase que hoje é
dada, por diversos quadrantes políticos, à necessidade de
“partilhar por todos o trabalho de facto disponível”.
Parece-me, no mínimo, estranho que enquanto se vai aceitando como
natural que em algumas fábricas ou sectores de actividade se fechem
portas ou se suspendam actividades, durante determinados períodos
(algumas semanas, por exemplo), de modo a ajustar a produção à
procura efectiva, não se pense ao mesmo tempo em, pura e
simplesmente, consagrar e generalizar essa prática, reduzindo os
horários de trabalho para toda a gente.
Em termos de lógica funcional do sistema é exactamente a mesma
coisa. Será tudo apenas uma questão de discutir e ajustar os
detalhes. Se menos 3 horas por semana para toda a gente, neste ou
naquele sector, se um dia inteiro por semana, se isto ou aquilo...
Não há aqui soluções “chave na mão”. Será sempre necessário
analisar, caso a caso, e ninguém melhor para o fazer do que as
empresas e os trabalhadores.
Ao Estado cabe apenas determinar o princípio, básico e
fundamental, de uma redução geral do horário de trabalho, mas não
apenas como “uma saída para a crise”. A lógica do sistema há-de
impor, mais década menos década, que cada vez seja menos necessário
“trabalhar” tanto como até agora, no sentido em que hoje se
entende esta palavra e que cada vez seja mais necessário “passar a
intervir” na vida social.
Lembro a esse respeito a
longa e dura luta que houve que travar, nos idos de 1844, para que no
Reino Unido se generalizasse a redução dos horários de trabalho,
de 12 para 10 horas por dia. Até fins do século XIX, princípios do
século XX, conseguiu-se generalizar a prática das 48 horas por
semana. Depois, em meados do século XX passou-se para o padrão de
40 horas por semana.
De então para cá, apesar dos enormes ganhos de produtividade social, a situação estagnou. Ou seja, em sessenta anos passou-se de 72 horas para 48 horas semanais. Mas, em cem anos, e apesar (repete-se), dos enormes ganhos de produtividade social agregada, não se conseguiu mais do que passar de 48 horas para 40 horas semanais.
De então para cá, apesar dos enormes ganhos de produtividade social, a situação estagnou. Ou seja, em sessenta anos passou-se de 72 horas para 48 horas semanais. Mas, em cem anos, e apesar (repete-se), dos enormes ganhos de produtividade social agregada, não se conseguiu mais do que passar de 48 horas para 40 horas semanais.
Resumindo a evolução ao longo do século XIX, temos que até 1832
não havia limite e a questão de "horário de trabalho" nem
sequer se punha. Em 1833 passou-se para o limite das 12 horas por
dia ou 72 horas por semana. Em 1844 passou-se para o limite de 10
horas por dia ou 60 horas por semana, mas
apenas em algumas actividades de maior desgaste físico. Em
1848 generalizou-se o limite das 10 horas por dia ou 60 horas por
semana).
Sem comentários:
Enviar um comentário