Na perspectiva do próprio autor a primeira questão seria do foro epistemológico, enquanto que uma segunda questão dizia respeito ao tema da «acumulação primitiva».
A primeira questão foi então assim formulada:
«Nos finais do século
XIX, principios do séc. XX, para os físicos deixara de haver calor.
Ou seja, não se pode nem deve falar de calor, pois não há calor,
mas apenas "coisas quentes". O conceito de "calor"
seria um conceito metafísico e que teria impedido a Calorimetria de
se desenvolver durante séculos. Os neopositivistas seguiram esta
tese. A pergunta que ponho é esta: não será que não há valores,
mas apenas preços? Não será por esta razão que a tal economista
lamentava que Marx fosse um dialéctico em vez de, acrescento eu, um
neopositivista?
Diziam os físicos
neopositivistas (e empireocriticistas)que o calor não se mede, mas
sim os corpos que ou estão quentes ou frios. Não será este o
modelo de pensar do Bohm-Bawerk? As mercadorias ou têm preço ou não
têm. O valor é subjectivo, é metafísico. Isto coloca uma questão
interessante que abordaste ao de leve:a relação da lógica formal
com a lógica dialéctica.»
A questão de «Valores» e
«Preços»
Atenção: poder-se-ia por começar aqui com a asserção de que «por definição» as «mercadorias» têm sempre preço! Ou seja, aquilo que faz com que um determinado «bem» ou «serviço» seja uma mercadoria é justamente o facto de ter um «preço»... Mas creio que não é essa a questão que aqui se coloca.
Em todo o caso a relação entre «valor» e preço» é uma questão recorrente e que tem causado polémica e mal entendidos «quanto baste». Trata-se de facto de uma questão de entendimento e de perspectiva «filosófico-cièntífica». A esse respeito, e no contexto indicado, direi que penso que a relação dos conceitos de «calor» e «temperatura» é de uma
natureza distinta da relação dos conceitos de «valor» e «preço»... Quer-me
parecer que «calor» é uma sensação de carácter
psico-fisiológico, enquanto que «temperatura» é a dimensão
(mensurável) correspondente a uma determinada forma de energia; para
o caso a maior ou menor agitação/vibração de átomos e/ou moléculas. Em todo
o caso parece-me que será consensual a afirmação de que a maior ou
menor temperatura (que corresponde a uma maior ou menor vibração de
partículas) se traduz (se manifesta) por um aumento ou redução do
calor.
Aceito como boa a asserção de que para «os físicos
neopositivistas (e empireocriticistas) que o calor não se mede, mas
sim os corpos que ou estão quentes ou frios».
E no entanto têm sido feitos progressos razoáveis na medição (da
sensação psico-fisiológica) do «mais quente» ou do «mais frio»...
A «coisa» parece que não é linear, ou seja não é uniforme a
variabilidade da sensação, mas tem sido possível medir essa
«sensação psico-fisiológica» com razoável grau de validade. Por
razoável «grau de validade» quero dizer que os resultados das
medições têm sido consensualmente aceites pela comunidade
cientifica que se dedica a esses estudos.
Entendo então que a relação entre «valores» e «preços» será então de uma natureza
diferente.
Tal como tive ocasião de referir durante a «Conversas com Livros», entendo que os «valores mercantis» são - em última análise - «porções da Natureza apropriadas e transformadas pelo trabalho humano para efeitos de venda». Os «valores» correspondem aassim a «tempos de trabalho socialmente
necessários», os quais se medem em termos de «tempo» e/ou
«energia despendida1»,
tal como são percepcionados pela comunidade, no seio da qual é feita essa avaliação.
Históricamente a emergência social do fenómeno «preço» só aconteceu pela
necessidade de facilitação das trocas. Ou seja, a noção de
«preço» está para a noção de «valor», como as noções de
«metro-padrão» ou «escala de Celsius» estão para as dimensões
das coisas a medir; para o caso as grandezas ou dimensões como «distância», «comprimento», «largura» ou «temperatura».
Em todo o caso teremos aqui uma agravante (ou complicação
adicional): enquanto que o metro-padrão (arquivado algures num museu
em Paris) é suposto nunca se alterar, na medida em que é uma
constante física (da «imutável» Natureza...), o «preço»
mede-se em dinheiro o qual é um constructo social e como tal
sujeito a variações no Tempo e no Espaço.
Disse mais acima que o «valor» (é a grandeza cuja dimensão
importa medir...) corresponde ao «tempo de trabalho socialmente
necessário» (para apropriar e transformar a Natureza). Nesse contexto, uma complicação adicional vem do
facto de que o «tempo socialmente necessário» (ou a energia que é
socialmente necessário dispender) para produzir o que quer que seja,
tem estado a reduzir-se de forma constante desde a invenção da
ciência e da sua aplicação à tecnologia. Cada vez mais
aproveitamos do trabalho (o tempo passado e as energias
gastas/materializadas) que outras gerações antes de nós
executaram.
Temos assim duas complicações:
Por um lado a percepção social varia de grupo social para grupo
social veja-se o caso (quase anedótico...) da percepção do valor
de uma casa quando a mesma se quer vender ou comprar, por parte dos
diversos intervenientes: o vendedor, o comprador, o banco, o agente
imobiliário, o inspector das finanças...
Por outro lado o «padrão de medida» (o dinheiro) está sempre a encolher ou a expandir-se...
Acrescente-se ainda a estas duas complicações, o facto empiricamente banal de que os agentes intervenientes estão permanentemente sujeitos a «assimetrias de informação»...
Como diz o povo, «o segredo é a alma do negócio».
Por outro lado o «padrão de medida» (o dinheiro) está sempre a encolher ou a expandir-se...
Acrescente-se ainda a estas duas complicações, o facto empiricamente banal de que os agentes intervenientes estão permanentemente sujeitos a «assimetrias de informação»...
Como diz o povo, «o segredo é a alma do negócio».
A Joan Robinson (a tal economista acima referida ainda que não mencionada e que lamentava que Marx fosse um
dialéctico em vez de, acrescento eu, um neopositivista...) só não
tinha razão para o seu lamento na medida em que Marx afirmou –
mais do que uma vez – que «os preços são apenas a
actualização dos valores». Acrescento eu, «quer no sentido
aristotélico de "concretizar", "tornar visíveis", "actuais"
(os valores), quer no sentido de que, com a variação dos tempos de
trabalho socialmente necessários (a primeira das complicações que
eu refiro mais acima) a sociedade vai paulatinamente ajustando os
«preços» ao novo «padrão de medida» (o tempo agora socialmente
necessário para a produção daqueles «valores»...
1A
relação entre «tempo de trabalho» e «energia despendida» é
aqui apenas uma de «perspectiva» ou «ângulo de visão», mas eu
falo das duas categorias analíticas apenas como forma de ilustrar o
tema.
A segunda questão colocada fica para uma nova mensagem
Mas se o valor representa o tempo e energia empregues na produção de uma mercadoria, e se o preço é a quantificação em dinheiro do valor, como se explica que produtos similares (logo com o mesmo valor) apresentem disparidades em termos de preço? Por exemplo produtos equivalentes mas de marcas diferentes.
ResponderEliminarA relação entre o «valor» (de troca) e o «preço» é uma relação dinâmica (em permanente alteração) e em que só por mero acaso haverá uma total coincidência entre, por um lado, o somatório de todos os «valores de troca» agregados (e intermédios) até se chegar ao «valor de troca» final e, por outro lado, o somatório de todos os respectivos «preços» (intermédios) e agregados até se chegar ao «preço» final de cada mercadoria (seja ela qual for).
ResponderEliminarÉ da natureza da dinâmica do sistema capitalista que os «preços» divirjam dos «valores de troca» na esmagadora maioria dos casos (99,99999% das vezes...)
O que é importante (ou relevante) para a análise e compreensão da dinâmica de funcionamento do sistema capitalista é o «para que serve» (qual a funcionalidade) dessa (quase) permanente divergência.
Só assim se perceberá como é que uns capitalistas ganham mais do que outros (e uns maiores ganhos de uns capitalistas são à custa dos menores ganhos de outros capitalistas).
É daí que resulta o papel instrumental dos «preços» na colecta dos «valores acrescidos» em todos os processos de produção até ao consumo final.
É também daí que resulta o «mandamento ou slogan» que caracteriza a lógica do sistema e que diz algo como:
«O montante dos lucros deve fluir - em maior ou menor grau - dos capitalistas com maior controle directo sobre o factor "trabalho vivo", para os capitalistas com maior capacidade de controle sobre o factor "capital-máquina" herdado».
Ou seja, os preços diferentes de marcas diferentes de produtos razoavelmente equivalentes podem não só reflectir «tempos totais de produção» diferentes, mas também - e sobretudo - «políticas empresariais de captação de valor acrescido» produzido por outras «cadeias empresariais de criação de valor»...