A
propósito da Grande Depressão dos anos Trinta do século XX, disse
um dia Keynes, de si e dos dirigentes do sistema capitalista. que se
tinham envolvido «numa confusão
colossal ao errarmos no controle de uma máquina delicada, cujo
funcionamento não entendemos».
“The
Great Slump of 1930” (1930), in «Essays in Persuasion»
Tendo
regressado a Portugal em meados de 1981, fiz em Novembro de 1983 uma
breve comunicação ao 2 º Congresso da Associação Portuguesa de
Informática relativamente ao uso da Informática para o estudo da
tendência decrescente da taxa de lucro. Ao que nos dizem os
clássicos da Economia Política, essa tendência é simplesmente o problema fundamental
da Economia, quer no seu aspecto de «realidade económica», quer no
seu aspecto de «estudo ciêntífico» dessa mesma mesma «realidade».
Tendência essa já antes assinalada por Adam Smith e retomada mais
tarde por John Maynard Kaynes.
Na
comunicação verbal (bastante atabalhoada...) que então tive
ocasião de fazer no Auditório 2 da Fundação Calouste Gulbenkian,
e perante uma vasta audiência muito vagamente interessada, expliquei as
razões pelas quais dentro de algum tempo (a minha estimativa era então de
cerca de uns 20 anos) e para além do «simples» impacto social e
económico das «novas» tecnologias da informação e de
automatização de processos, o
desemprego sistémico iria ter que aumentar de forma «exponencial».
Confesso que não contava – de todo – com os truques da
financialização e do recurso sistemático ao crédito «fácil e
barato», por parte dos «donos do sistema», para obviar às
inelutáveis consequências da queda tendencial da taxa de «lucro
sistémico», truque esse que, entretanto, estava já em preparação
nos principais países do sistema...
Considerando
que há diversas formas de entender ou interpretar a noção de
«lucro» («retorno sobre o investimento», lucro «contabilistico»,
lucro «económico», lucro «normal»...) devo aqui esclarecer que
uso aqui a noção de «lucro sistémico» no sentido de «rácio
entre, por um lado, o valor
acrescido produzido pela totalidade da economia mundial e,
por outro lado, a soma dos montantes investidos pela mesma economia
mundial, quer em «ordenados,
prémios e salários», quer em máquinas,
depreciação de estruturas, energia e matérias primas e acessórias.
Por outras palavras, perspectivando a economia mundial como se fosse
uma única empresa gigantesca que interage com a Natureza utilizando
recursos materiais e humanos, e distribuindo depois o resultado
excedente dessa interacção com a Natureza, de acordo com
determinadas regras do sistema capitalista (que é aquele que
continua em vigor).
Uma
vez obtido aquele excedente económico global (resultante de todo o
«trabalho excedentário produzido pelo «colectivo de
trabalhadores»), esse excedente económico global é então assim
apropriado e re-distribuido por entre os diversos grupos sociais que
constituem o «colectivo dos capitalistas» ou «donos e gestores do
Capital», designadamente, «lucros» (em sentido restrito de
«excedente apropriado pelas empresas», mais ou menos competitivas),
«rendas» (de monopólio), «juros» (de eventual recurso a
«financiamentos bancários») e «impostos» (em sentido lato e como
contributo para o pagamento das «externalidades» sem as quais a
economia real simplesmente não pode funcionar.
Pois
bem, voltando então à questão da tendência decrescente da taxa de
lucro e suas consequências sociais e económicas, e tal como estava
previsto («eu bem avisei»... só que ninguém ligou peva... 8-)...)
, tem vindo pois a acentuar-se em todo o mundo o aumento sistémico
do desemprego.
Segundo
a OIT esse desemprego sistémico1
era de 197.000.000 em 2012, tendo passado para 202.000.000 em 2013,
devendo ainda chegar aos 205.000.000 em 2014. Segundo a leitura da
OIT, «trata-se do resultado de «feed-back loops» (circuitos
de retro-acção positiva) em actuação na economia global: as
famílias retraem-se no consumo, as empresas não investem, os bancos
não financiam... Em suma «estão todos» a retrair-se, mesmo com as
injecções de capital financeiro por parte dos bancos centrais. Mas
tudo isso parece ser explicado como se estivéssemos perante uma
maldição caída dos céus sobre uma Humanidade pecadora, ou algo
assim.
Se
descermos do nível analítico à escala da economia global para a
escala de análise de cada país concreto, encontraremos aquilo a que
os cientistas sociais costumam chamar de «factores
intervenientes»... Há países que são auto-suficientes em quase
tudo o que é fundamental para uma economia funcionar, há paises que
vão funcionando como polos de atracção da actividade económica
que continua a haver, há pseudo-países (os chamados «paraísos»
ou «refúgios fiscais») que vivem de roubar receitas fiscais a
todos os outros países de maior dimensão, há países de economias
fragilizadas pela má governação dos respectivos estados, há
também países que vão vivendo (bem ou nem tanto assim...) das
chamadas «rendas petrolíferas».
Disse
mais acima que a própria OIT apontava como indícios da crise do
aumento continuado do desemprego que «as famílias retraem-se no
consumo, as empresas não investem, os bancos não financiam»...
Tudo isso acaba também por ser resumido como sendo o resultado das
políticas de austeridade o que, até certa medida, até está
certo...
No
caso do país português, um outro «factor interveniente» a
considerar é o ciclo eleitoral: em vésperas de eleições, os
partidos no poder procuram sempre renovar os jogos de sedução e
propaganda (cada vez mais mentirosa...) de modo a iludir a cidadania
sobre eventuais indicadores de uma «miraculosa recuperação»
económica.
Num
aparte dir-se-á aqui que esta continuada referência a «milagres»,
para além de ser uma ofensa a genuínas e respeitáveis crenças de
cariz religioso, é capaz de ser um bom indicador do grau de
(des)conhecimento ciêntífico sobre a natureza dos fenómenos
económicos.
Seja
como for, na modesta opinião deste «ilustre desconhecido», pode
ser que tenhamos já «batido no fundo», mas duvido. Do ponto de
vista de quem nos (des)governa, há sempre algo mais para esgravatar
nas reduzidas poupanças das classes trabalhadoras. E, se for mesmo
necessário, continuar-se-á a vender património (último recurso
para pagar dívidas, legítimas ou ilegítimas, tanto faz...). Se de
facto já tivermos «batido no fundo», o problema que então se
coloca é o de sabermos se há qualquer hipótese de alguma vez
recuperarmos o que nos foi roubado e se alguma vez irá esta
comunidade nacional (a que os românticos chamam «Pátria»...)
enveredar por caminhos de crescimento e/ou desenvolvimento social e
económico.
Com
esta ideologia e este tipo de governação, bem podemos esperar
sentados.
Repito
- na modesta opinião deste «ilustre desconhecido» - se estiver
correcto o exercício de análise sobre o comportamento do sistema
capitalista apresentado por mim em 1983 e comunicado ao tal congresso
da Associação Portuguesa de Informática – então só há dois
caminhos para sairmos da CRISE:
Ou uma redução sistemática
(drástica mesmo) dos horários de trabalho, de modo a distribuir os
empregos sistémicamente disponíveis pelo maior numero possível de
desempregados,
ou um regresso em força às práticas de fiscalidade
progressiva que vigoravam nas décadas de Cinquenta e Sessenta do
século XX e que permitam uma redistribuição «coerciva» do
rendimento colectivo,
ou uma combinação desses dois vectores de
intervenção.
Em qualquer dos casos será sempre necessária uma
forte e decidida intervenção estatal nesse sentido. Tudo o mais
serão paliativos que poderão ir «amolecendo» ou «anestesiando o
doente» sem – de todo – chegar às causas do problema.
É
por essas razões que este «ilustre desconhecido» embora conserve
uma réstea de esperança, no curto e médio prazo, está algo
pessimista. A menos que entretanto haja juízo na cabeça de alguns
membros da oligarquia (a verdadeira...) ou que nos poucos países com
algum peso na economia mundial onde haja ainda résteas de efectivo
«poder de Estado», venha a haver algum sobressalto cívico (por
parte de políticos de Esquerda histórica, entretanto «adormecidos»)
e que leve esses países a arrastar – até pelo exemplo – alguns
outros países, na senda do investimento público orientado para
satisfação de necessidades sociais.
1Referimo-me
aqui a perda de empregos na economia formal, não levando em linha
de conta o número (crescente?...) de «pseudo-empregos» em
diversas actividades («biscates»...) na chamada «economia
infornal»
Uma análise interessante e compreensível para quem ,como eu, não tem conhecimentos de economia ( a não ser a doméstica...) . Será que os "adormecidos" só acordarão com o fragor da violência?
ResponderEliminarEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarCaro amigo. Parabens por este importante contributo na clarificação dos esquemas que nos desgovernam.
ResponderEliminarQuanto à redução do horário de trabalho, para permitir empregar um número maior de trabalhadores, já o defendia em Março de 2000 num texto publicado no meu Blog http://duartenuno.wordpress.com/2000/03/10/partilhar-o-trabalho-ou-a-riqueza/
«intervenção estatal» Como é que o Estado poderá intervir se fica reduzido à polícia de choque e aos cobradores de impostos?
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