quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

O barulho mediático sobre a Jerónimo Martins

Hoje - dia 4 de Janeiro - a rádio TSF dedicou o seu programa diário «Forum TSF» a debater a questão da transferência da sede fiscal da SGPS (ou lá do que seja...) da «Jerónimo Martins», de Portugal para a Holanda. De repente começou a falar-se (e ainda bem...) desta estória, antiga de muitos anos, da fuga aos impostos (evasão e/ou evitação fiscal) por parte das maiores empresas, em todo o mundo e também em Portugal. Das 20 empresas do PSI20 já são 19 aquelas que estão sediadas na Holanda ou no Luxemburgo, notórios refúgios fiscais que continuam impunemente a parasitar as outras economias da União Europeia (mas não só, claro!!!...).
Confesso que fiquei particularmente sensibilizado (chocado, revoltado, indignado...) com a supina lata de um senhor administrador de uma grande empresa cervejeira da cidade do Porto, a justificar (e a defender) o direito das empresas em refugiarem as suas sedes fiscais, em países onde o regime fiscal é «mais amigo dos 'investidores'»...
E depois, para que os ouvintes ficassem esclarecidos sobre uma eventual «neutralidade» do entrevistado relativamente a esta questão, foi acrescentado pelo moderador da TSF, que a referida empresa cervejeira não fazia «isso» (de ter uma sede fiscal num daqueles refúgios fiscais). Esqueceram-se, o entrevistador e o entrevistado, de esclarecer que 44% do capital da dita cuja empresa cervejeira é propriedade de uma empresa transnacional (a qual já tem a sua própria rede de refúgios fiscais) e que os restantes 56% do capital são propriedade de 3 «holdings» supostamente portuguesas.
E disse mais o tal senhor administrador: que o Luxemburgo e a Holanda, ao contrário de alguns refúgios fiscais (dizia ele...) são países respeitáveis e que portanto o que se estava a fazer era perfeitamente legal. Pois, houve um tempo em que a escravatura também era legal. E o regime de «apartheid» na África do Sul (só acabou há menos de 20 anos) também era legal... Como se o roubo legalizado deixasse de ser roubo.
Por fim (ou melhor, depois disso eu desliguei...) o senhor administrador deu ainda o exemplo da pouca competitividade fiscal do regime português, dizendo que em Portugal (ao contrário da Holanda e do Luxemburgo) os «investidores» que comprassem uma empresa (em processo de concentração e reestruturação empresarial, «dixit») por um valor de mercado acima do valor contabilístico dessa empresa, não podiam depois descontar essa diferença como prejuízo fiscal.
A confusão conceptual (e demagógica) é tanta que daqui sublinho apenas esta coisa: para estes senhores, investir (e criar riqueza, «dixit») é comprar empresas (e depois despedir uns 10% a 20% do pessoal para a tornar «mais rentável», dizem eles...).
Antigamente investir era criar novos empreendimentos, de raíz...
Até já ouvi a um outro senhor de uma outra grande empresa do PSI20, reconhecer essa coisa elementar: «quando se compra uma empresa não se está a investir, o que está a acontecer é apenas a troca de propriedade» (de uma «fonte de lucro», acrescento eu...)
De passagem, o senhor administrador, não deixou de apelar à necessidade de um entendimento alargado entre todos os partidos do «arco-de-governabilidade» («dixit»). Pelos vistos os outros partidos - mais à esquerda - esses não têm direito a ter «voto na matéria». Quando muito (e vá lá, vá lá...) poderão ir protestando. Dentro das regras, claro! Presume-se.

4 comentários:

  1. Com os bolsos na Holanda e o suor barato em Portugal, ambos os países “são amigos dos investidores. Claro que algemar o bandido não é “democrático”, ou seja, dizer a esses merceeiros: “vai vender o teu bacalhau, lá onde deixas o pilim. E fechar-lhe a tenda. Seria a continuação do 25 de Abril. O totalitarismo!

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  2. O problema está na lei e não no uso que dela se faz. Enquanto virmos estas situações como um problema moral e por isso vociferarmos contra quem faz o que a lei permite, tudo continuará como está. E eles agradecem.

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  3. Obrigado por este (e outros) comentário. Que comento... como comento comentários.
    Será que não é oportuno transcrever um texto de um senhor chamado Karl Marx dizendo que o problema da moral em ecomia política é ela não ter a moral a que se referem as pessoas mas a SUA moral, aliás prima de outras duas senhoras, a religião e a lei, todas da mesma família?

    Saudações... e obrigado pelos desejos de Bom Trabalho, que retribuo e me compraz apreciar e aproveitar.

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  4. Devo começar por confessar que não me considero (de todo...) uma autoridade relativamente àquilo que escreveu Karl Marx. Limito-me (que remédio...) a tentar perceber o sistema económico utilizando para isso as ferramentas analíticas desenvolvidas por Marx, e já não será pouco. Seja como for, de tudo aquilo que tive ocasião de ler (Marx e Engels) ficou-me sempre a ideia de que sobre a Moral (justiça, ética...) Marx era bastante sarcástico relativamente à «moral» de outros (lembro-me em particular da crítica mordaz que faz de Bentham). Neste contexto posso apenas imaginar que Sérgio Ribeiro se estará a referir a um parágrafo do «Manifesto»: As leis, a moral, a religião são para ele outros tantos preconceitos burgueses, atrás dos quais se escondem outros tantos interesses burgueses.

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